segunda-feira, 13 de junho de 2011

[0069] Um poema de Adriano Miranda Lima a Nhô Balta

Em comentário ao post n.º 0067, o nosso colaborador Adriano Miranda Lima deixou este poema. Pensamos que não poderá ali ficar escondido e por isso aqui o trazemos mais para a luz - que a memória de Nhô Balta bem o merece e a verve de Miranda Lima também... 


Adriano Miranda Lima












Baltasar
 
Essa fina saudade de Passárgada
que percorreu teus dias
ninguém a entendeu senão tu
como algo entretecido por mãos de anjo
quando o sol, a terra e a chuva fizeram as tréguas

Alguns pensaram que era simples desejo de evasão
fuga contumaz sem rasto de remorso
trancando a porta de regresso

Mas como poderia evadir-se
quem estava preso no ventre de sua mãe?

E depois filho de coração terno
quem poderia mais tarde acalentar a dor de sua mãe
e cuidar-lhe um dia de uma mortalha lavada?

Alguns fingiram não perceber que apenas sonhavas com
um Beijo
um beijo da mãe-água no seio da mamãe-terra
depositado na esquina da eternidade
selando promessa de felicidade

Este poema que o não é
pode ser remissão do meu pecado
ou tardia poção sacrificial
por não ter também compreendido
ou partilhado
a veemência da tua fina saudade

Baltasar

Hoje não é já a Passárgada que nos persegue
nas nossas intermináveis noites de vigília
É esta infinita saudade que nos deixaste.

[0068] Uma pérola de homenagem ao Club Sportivo Mindelense, o clube da Rua de Praia e da Praia de Bote, clube do povo

O Luiz Silva enviou-nos hoje mais um saboroso petisco que temos a honra e o orgulho de publicar: honra pela qualidade da coisa, orgulho por se tratar do nosso querido Mindelense da Rua de Praia. Ao Luiz (escreve-se mesmo assim...) mais um abraço de simpatia e gratidão.

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O Club Sportivo Mindelense está ligado à história da nossa emigração: jogadores e adeptos do Mindelense emigraram desde cedo para Argentina (Cesinando), Portugal (Adérito Sena e irmãos, Chau, Toti, Djunguinha, Du Fialho), Américas (Djosinha), Holanda (Pato, Lela de Raul, Constantino, Chico de Nhô Quim, Dara, Cutchila, Ibrantino), França (Toi de Nhô Quim, John Tchibita, Luís Filipe, Octaviano), São Tomé e Príncipe (Lela de Panante), etc. A dado momento, na Holanda, nos anos sessenta, era possível reconstituir uma verdadeira equipa do Mindelense, que poderia enfrentar qualqer equipa de Cabo Verde. Aiás, encontra-se em preparação na Holanda a vinda, durante o verão, da equipa de futebol do Mindelense, após o  campeonato de Cabo Verde que se espera que ele seja vencedor [o PRAIA DE BOTE relembra a propósito que no seu post n.º 0051 já divulgou o facto de o Mindelense se ter sagrado este ano campeão regional de S. Vicente]. Serão certamente convidados as velhas glorias do Mindelense da Holanda, especialmente o Pato, o Totói Munzinha e o Chau (Portugal), o Djosinha (Estados Unidos), etc.

Este disco de 45 rotações tem na face A: o samba Mindelense, da autoria de B. Léza, interpretado por Jorge Sousa; na face B: a marcha Mindelense! Mindelense!, texto de Luiz Silva e música de Morgadinho, interpretado por Morgadinho, um verdadeiro hino ao Club Sportivo Mindelense, de que se espera edição em CD. Na altura não indicámos os nomes dos participantes por se tratar de uma iniciativa da comunidade em França mas a história obriga-nos a relembrar as participações de Morgadinho, Jorge Sousa, Manu Lima, John Mathias, Damião Mathias, José e Américo Thomas, etc. A capa é da autoria do  malogrado pintor angolano Viteix.

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Uma pérola, de facto! Pena não o podermos aqui ouvir agora. Mas lá chegará o dia.

sábado, 11 de junho de 2011

[0067] Baltasar Lopes da Silva... ainda... e sempre

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O PRAIA DE BOTE divulga hoje um postal ilustrado editado pela Associação de Solidariedade Cabo-Verdiana (França) em 1989, ano da morte de Baltasar Lopes.

Trata-se de uma oferta do nosso amigo cabo-verdiano Luiz Silva (França) que nos conta a história do mesmo. Ela aqui vai:

«A nossa Associação organisou na altura na Cité Universitaire em Paris um homenagem a Baltasar Lopes, certamente  o  intelectual cabo-verdiano que melhor soube compreender o sacrificio dos nossos emigrantes por Cabo Verde a todos niveis, sem deixar de referir o seu romance Chiquinho, com a presença de muitos lusófonos e em especial cabo-verdianos. Sobre a obra de Baltasar Lopes falaram Alfredo Margarido, Michel Laban e Luiz Silva. Declamaram os seus poemas, Conceição Legot, de Angola. Também esteve presente o conjunto Voz de Cabo Verde dirigido por Paulino Vieira que acompanhou a nossa diva de pés nus, a Cesária Evora, e ainda Morgadinho, Jovino dos Santos, Dulce Matias e outros. Foi seguida dum cocktail pago pela delegação da Fundação Calouste Gulbenkian de Paris, dirigida na altura pela Doutora Maria de Lourdes Belchior que fora colega e amiga de Baltasar Lopes, durante os seus estudos em Portugal.»

Ao Luiz Silva, uma das vozes de Cabo Verde que mais têm divulgado a cultura das ilhas em França, o nosso agradecimento. 

sexta-feira, 10 de junho de 2011

[0066] Porto Grande: 50 anos de cais acostável

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Comemoram-se este ano os 50 anos do cais acostável do Porto Grande de S. Vicente. Data bonita e de facto assinalável, dado o significado daquele F virado ao contrário fronteiro ao Monte Cara…

Palmilhei-o vezes sem fim, de dia e à noite (a pé ou no velho Ford Anglia de família), só por mero prazer de pisar o seu solo de betão e apanhar a brisa marinha no rosto ou devido à chegada ou partida de palhabotes, paquetes e barcos de guerra. Ali entrei no navio-escola “Sagres”, em passagens pelo porto, no contratorpedeiro “Lima”, nos navios hidrográficos “Almeida Carvalho” e “Pedro Nunes”, que no local se quedavam (o último menos, que a Guiné era dele mais frequente poiso), e em quase todos os navios de cabotagem a que o meu pai ia, por dever de serviço. Para além de muitos navios-patrulha (melhor dizendo, Lanchas de Fiscalização Grandes) e lanchas de desembarque que do Continente iam para a guerra na Guiné e no Porto Grande faziam escala: "Argos", "Cassiopeia", "Centauro", "Dragão", "Escorpião", "Hidra", "Lira", "Orion", "Pégaso", "Sagitário", "Alfange", "Cimitarra", "Aríete" e "Montante", todos observei à chegada às águas de Cabo Verde. E ali vi, por alturas de 1963, o gigantesco “Mauretania” (perto do seu abate, em 1965), de tal modo grande que teve de atracar do lado de fora do cais acostável, virado para o Djéu dos Passo (ilhéu dos Pássaros). Não esquecendo os japoneses Maru, da pesca do atum com aqueles homens pequeninos e silenciosos, calçados com botas de borracha ou chinelos de sola de pau forrados a palha… e o “Manuel Alfredo” e o “Alfredo da Silva”, da Sociedade Geral, ambos de também saudosa memória e muitos outros…

E ali pesquei (pouco, que nunca tive grande habilidade para tal), corri, saltei por cima de sacos de pozolana vindos de Santo Antão e roubei bananas de cachos destinados à Europa. Sempre com o meu cão e amigos do peito, como o Alexandre Bintim ou o Pikau. Grandes e inesquecíveis tempos, portanto.

Uma figura que não posso deixar de evocar e que teve importância crucial na feitura deste cais e na do do Porto Novo foi o encarregado senhor José Maria Marques (já falecido), nosso amigo para sempre, bem como a esposa D. Noémia e os dois filhos, o José Carlos (meu colega de escola no Lombo e no Liceu Gil Eanes) e o João, de quem ainda sou amigo e que visito e me visitam. Moravam numa ruazinha perpendicular à actual Rua Franz Fanon, segunda a contar da Rua Machado (hoje Av. Baltasar Lopes da Silva). Funcionário estimado e altamente responsável da Empresa Construções Técnicas (já desmantelada, que tinha sede na Av. 24 de Julho, Lisboa), dele há muito suor, preocupações e empenho naquela obra que honra o Mindelo e dele faz hoje parte integrante.

Esq. p/ Dt.ª - José Maria e Noémia Marques e meus pais, Maria Teresa e Narciso. Em baixo, junto a uma bóia/pneu, eu (o mais alto)e o João Marques - 1.11.1963, praia da Baía das Gatas (clique na imagem)
































Troquei em tempos recentes correspondência com o administrador do Porto Grande, Jorge Pimenta Maurício de quem agora sou amigo e que me fez o favor de me enviar o logótipo destes 50 anos que durante 2011 se comemoram. Como ele me disse, «o dia do aniversário comemorou-se apenas internamente e com todos os trabalhadores» havendo no entanto «um programa que envolve várias actividades culturais, desportivas, etc.»

Postal ilustrado da segunda metade dos anos 60 do século XX - O barco branco é o "Alfredo da Silva". O 4.º a contar da parte inferior da imagem é o rebocador "Damão" (clique na imagem)
Ao povo da minha ilha de S. Vicente, aos milhares de marinheiros que àquele cais atracaram e atracam e ao Jorge Maurício envio um abraço fraterno e os desejos de que aquela importantíssima infra-estrutura portuária continue a servir o desenvolvimento do Porto Grande e de Cabo Verde.

Finalmente, aqui ficam para memória duas notícias do extinto “Diário Popular”.

13.JUNHO.1960
Pág. 5 – [notícia na página “Ultramar”] CABO VERDE. CAIS ACOSTÁVEL NA ILHA DE S. VICENTE – Praia, Junho (do nosso correspondente) – Com intensa e profunda alegria se noticia que os barcos patrulhas da marinha de guerra portuguesa “Madeira” e “Santiago”, sob o comando do capitão-tenente António Benard Costa Pereira, acostaram ao cais em construção na ilha de S. Vicente, estabelecendo ligação com a terra.

9.JULHO.1961
Pág. 5 – CABO VERDE. INAUGURARAM-SE FESTIVAMENTE AS OBRAS ACOSTÁVEIS DO PORTO DE S. VICENTE – São Vicente de Cabo Verde (do nosso correspondente) – Esta cidade viveu jubilosamente o dia da inauguração das obras acostáveis do seu Porto Grande que constituíam um velho anseio, hoje consumado numa realidade palpável sob a direcção de engenheiros portugueses.

O acto inaugural revestiu-se de singular elevação, com a presença do governador, tenente-coronel Silvino Silvério Marques, que presidiu, ladeado na tribuna, pelo bispo da diocese, que lançou a bênção ao cais, comandante militar e juiz da comarca.

O funcionalismo e a população acorreram ao acto, ovacionando o eloquente discurso do governador e dos oradores que o antecederam.

Ergueram-se vivas ao Presidente do Conselho e ao antigo ministro Sarmento Rodrigues, que mandou firmar o contrato para a execução da grandiosa obra.

O navio de guerra “Lima”, festivamente embandeirado em arco, acostou ao cais número quatro, e o navio-motor da Sociedade Geral, “Manuel Alfredo”, ao cais número oito, realizando-se a bordo deste último um lauto banquete em que participaram numerosos convidados.