domingo, 31 de março de 2013

[0406] Ainda as tropas expedicionárias portuguesas a Cabo Verde

Do nosso colaborador Zeca Soares recebemos mais um valioso contributo em imagens do Cemitério do Mindelo sobre o assunto em título e a seguinte mensagem (que muito agradecemos):

No ultimo trimestre do ano passado, mais precisamente no mês de Outubro de 2012, tive o privilégio de tomar conhecimento de uma muito util e interessante História sobre a Missão deTropas Expedicionarias Portuguses a CaboVerde no período da segunda Guerra Mundial, mais precisamente a Ilha de São Vicente. De entre os relatos e ilustrações desta história, há tambem fotos de cirimónias fúnebres alusivas militares falecidos devido a epidemias existentes na época.

Como complemento ao excelente trabalho do Senhor Adriano Lima, aqui estão algumas imagens recolhidas no Cemitério de São Vicente para de entre outros constar do arquivo Histórico do Praia De Bote.
Devo acrescentar ainda que são cerca seis dezenas de túmulos ali existentes, a maioria sem nomes ou não identificados. Apenas um ou outro oficial tem identificação.






[0405] 3.ª parte do mais recente texto de José Fortes Lopes

O Debate da Regionalização e a renovação política de Onésimo Silveira
3.ª Parte: Da Génese do Centralismo em Cabo Verde ao Debate da Regionalização

José Fortes Lopes
Como vimos precedentemente, há uma tentativa de capturar e desnaturar o debate da regionalização em favor de uma ala centralista e conservadora, que congrega uma agenda etnocentrista ou fundamentalista e uma outra de interesses políticos associados às redes de privilégios sociopolíticos e económicos do país, adversos a qualquer mudança ou reforma. Amilcar Cabral só poderia estar envergonhado com os ditos actuais herdeiros e seguidores.

O conceito de “Regionalização Administrativa” seria assim o denominador comum, a ‘reforma’ mínima aceitável aos olhos dos diferentes grupos que controlam o poder actualmente no país. Esta seria a ‘reforma na continuidade’ de um sistema já cansado e que governa o país há décadas, usando substancialmente variantes do mesmo e esgotado conceito de desenvolvimento, aquilo que é designado hoje eufemisticamente de Pensamento Único, e que em Cabo Verde toma a forma de um supra-partido único transversal à toda sociedade.

Pode dizer-se que o Onésimo Silveira é seguramente um gato político, porquanto já teve várias vidas políticas (costuma-se dizer que os gatos têm sete vidas). Estaremos perante o seu sétimo combate ou o último pulo do gato? A regionalização, uma das suas bandeiras, poderá ser uma excelente oportunidade para o velho nacionalista e político mostrar os seus dotes de combatente, deixando assim uma herança política, com a sua marca, à sua ilha natal e ao país. A ver vamos.

Teria sido interessante a participação conjunta neste debate, de outro velho nacionalista, Leitão da Graça, líder da extinta UPICV, um natural de Santiago, defensor da regionalização, e que acabou de declarar na Inforpress “A regionalização é uma coisa boa e, por isso, sempre fui a favor”, disse, lamentando que até ao momento este facto não tenha ainda acontecido em Cabo Verde. Na sua opinião, o PAIGC (hoje PAICV) sempre teve medo da regionalização. Hoje, gaba-se de ter escrito, em panfletos, apelando à autonomia das ilhas. Para Leitão da Graça, com a regionalização não significa que a unidade do país possa estar em causa.” (In Inforpress) (6).

Onésimo Silveira aparece, assim, quer queira quer não, como figura crucial neste debate, um ‘pivot’ fundamental entre as diferentes tendências e modelos em discussão e o provável interlocutor nas eventuais futuras negociações.

É assim que o Onésimo Silveira é apanhado (involuntariamente?) nesta ratoeira conceptual inventada pelos sectores conservadores do PAICV. Ao fazer questão de vincar, nos últimos artigos, a defesa de uma “Regionalização Administrativa”, em vez da “Regionalização” “tout court” (4), incorreu involuntariamente ou desnecessariamente em contradição com as teses que defendeu no colóquio/“atelier” sobre a Regionalização, de 9 a 11 de Abril de 2007, que serviu para o enterro do projecto. Este evento, segundo a então Ministra da Presidência do Concelho de Ministros, Reforma do Estado e Defesa, Cristina Fontes “visava consensualizar os conceitos em torno da matéria da descentralização, desconcentração, ou até mesmo regionalização”, que “o Governo tinha a sua posição, mas que estava aberto para ouvir as outras opiniões existentes; mas que defendia um “Estado suficiente", não havendo lugar para centralismos ou posições que ponham em causa o Estado unitário em Cabo Verde” (2). Adriano Miranda Lima (2) nos reporta, baseando-se em notícias então publicadas, que Onésimo Silveira ter-se-á mostrado favorável a uma «Região Política», indo assim na altura contra algumas correntes redutoras ou conservadoras do conceito de regionalização. Mais, Silveira, num conceito mais ambicioso, quiçá de ressonâncias futuristas, defendeu «a existência de regiões fora do território nacional, coincidentes com a geografia em que estão inseridas as comunidades emigradas», oferecendo assim um tema de estudo ao companheiro Luiz Silva, sobre o qual se vem debruçando entusiasticamente. Neste mesmo colóquio, José Maria Neves, como se estivesse exorcizando o fantasma de qualquer transformação orgânica no país que atente contra o poder dominante e total concentrado na ilha capital, afirmou aceitar unicamente o reforço do municipalismo. Apontou um conjunto de argumentos que, em sua opinião, desaconselhariam a criação de regiões políticas autónomas, a começar no facto de não haver enquadramento constitucional (2). Imaginem o nível do argumento! Será que os outros países (Marrocos, por exemplo) teriam já esse enquadramento quando realizaram tal reforma (5)? A resposta é obviamente não. Este dilema de causalidade é uma questão clássica, facilmente ultrapassável se houver vontade e determinação política. Na realidade, reformas desta natureza necessitam grandes homens ou homens de carácter (George Washington, James Madison, Charles de Gaulle, François Mitterrand, Nelson Mandela, Rei do Marrocos, etc), um conceito e um projecto novo, como aconteceram nos momentos cruciais e nos países em que elas foram levadas avante (4,5). Portanto, não brinquemos com conceitos e não tentemos separar artificialmente a regionalização em duas componentes, a administrativa e a política, pois estaremos a incorrer em pura manipulação conceptual, com o único intuito de atrair ‘eleitorado’ e enganar os incautos. Pois se ambos os prós e os contra da regionalização, que defendem processos conceptualmente diferentes, ‘desatarem’ a chamar a reforma pelo mesmo nome, regionalização administrativa, no fim, o povo, que queremos esclarecer cabalmente, ficará refém de uma ambiguidade que produzirá um efeito inverso, e a confusão política nesta matéria será total e instalada para muito tempo. Por esta e outras razões é que apontei a inoportunidade da realização, no presente contexto, de um referendo sobre uma matéria tão séria e sensível. Como os franceses dizem “Il faut appeler un chat, un chat”, ou seja, falemos de regionalização ‘tout court’ (4, 5). Isto leva-nos a apelar a realização de estudos consistentes, debates e campanhas diversos para esclarecer as pessoas e separar as águas. Mas não há meio de o PM declarar oficialmente a abertura dos trabalhos e do debate, todo convencido de que anda a ganhar tempo para que tudo acabe em águas de bacalhau. Ou não terá ele coragem nem estofo para liderar este processo!?

Mas foi todavia na Workshop sobre Reforma do Estado, Justiça e Segurança realizada no âmbito da Conferência Nacional do PAICV de 28 a 3 de Setembro 2012, que uma ala do PAICV iniciou uma ofensiva ideológica contra a regionalização, que culminou no recente Conselho de Ministros no Mindelo. O PM assinalou como inaceitável qualquer veleidade política à reforma, apresentando ao país o modelo pré-cozinhado, chamado de Regionalização Administrativa, correspondendo, na visão José Maria Neves e dos sectores mais conservadores do PAICV, simplesmente, ao reforço do municipalismo, ou seja, aquilo que qualificam de “supra-municipalismo”, terminologia bastante ambígua para este debate, e que também Onésimo Silveira resolveu, aparentemente, adoptar.

Mesmo assim, a pobreza do argumentário dos que estão contra a regionalização é aflitiva e resume-se, quando não se recorre a ataques baixos e de carácter pessoal, a afirmações e generalidades de La Palisse, do tipo: “A maioria das pessoas que têm intervindo dizem claramente que a regionalização política é um disparate em Cabo Verde, por ser um país de apenas cerca de 4.033 quilómetros quadrados e menos de meio milhão de habitantes”. Como refere Adriano Miranda Lima (2), “os responsáveis do Governo recorrem normalmente a um discurso circular, feito de generalidades e lugares comuns, sempre que têm de pronunciar-se sobre o assunto, enquanto o centralismo ostenta uma dureza de pedra e cal, o que demonstra que a política, não raras vezes, pode ser a mais perfeita arte de dissimulação. Mas como desde o colóquio realizado na Praia o assunto parece ter arrefecido nos meios oficiais, ou adiado para as calendas gregas, é caso para imaginar que José Maria Neves teria aspergido água benta sobre o retábulo do colóquio, para exorcizar o fantasma de qualquer transformação orgânica no país que atente contra o poder dominante e total concentrado na ilha capital”. E “A verdade é que não se vê uma firme vontade política, da parte do poder, de reformar o modelo organizativo do país, quando as actuais circunstâncias nacionais e internacionais aconselham a repensar o presente” (3). Na realidade, do que JMN e os sectores conservadores da sociedade cabo-verdiana não querem ouvir falar é de reformas do sistema económico e político do país, a que uma verdadeira regionalização forçosamente obrigará, pois como facilmente se compreenderá, ela vai mexer com interesses instalados, das elites, dos grupos de pressão, dos agentes políticos e económicos, todos confortavelmente refastelados na poltrona da centralização. Agarram ao centralismo como um cão ao seu osso. Portanto para eles nada de protagonismo para S. Vicente e outras ilhas. Na realidade, muitos outros que não partilham desta visão centralista estão convencidos que o centralismo é a fonte actual do poder e a mãe de muitos dos problemas actuais de Cabo Verde.

JMN tem-se, portanto, desdobrado em esforços para diluir ou esvaziar o conteúdo do debate sobre a regionalização, após ter prometido a sua realização e a abertura de um Livro Branco. É por estes sinais inquietantes que o leitor comum pode confundir-se com essa insuficiente explicitação do pensamento do Onésimo Silveira, e indo mesmo ao extremo de nelas poder descortinar, quiçá injustamente, uma tentativa de aproximação conciliatória às dúbias intenções do governo, o que, a confirmar-se, voltaria a ser altamente comprometedor da credibilidade daquele político mindelense. Por conseguinte, é de toda a conveniência que o Onésimo Silveira evite esta similitude expressiva entre ele e o JMN em matéria de regionalização, ou que afaste as eventuais suspeitas da existência de uma aliança objectiva ou de um acordo implícito sobre o modelo de regionalização minimalista ou de compromisso, antes de qualquer debate, o que a ser verdade frustraria as pessoas que deram o corpo a este combate de cidadania. Todavia, desenganem-se os opositores se pensam que exista alguma divergência de fundo sobre a regionalização entre a maior parte dos regionalistas, incluindo Onésimo Silveira. Inclusivamente, até se pode conceber que determinados líderes possam vir a concluir que afinal determinado modelo que tinham defendido já não será o mais adaptável ao nosso circunstancialismo, mudando, por isso, de opinião, mas sem abdicar da sua crença na irreversibilidade da reforma. Não devemos ser dogmáticos nem sectários, pois costuma-se dizer que só os burros é que não mudam de opinião, pelo que estaremos abertos ao debate e a eventuais futuros compromissos, desde que haja honestidade intelectual na posição das pessoas.

Na realidade, defender, a priori, uma regionalização minimalista limitada a um formato meramente administrativo, que sintetizasse a linha dos actuais detractores da reforma, tentando assim definir de antemão os contornos do futuro debate, que deveria ser alargado e participativo, constitui uma tentativa de condicioná-lo e de antecipar as conclusões do mesmo, muito ao gosto dos partidos do poder de matriz centralista e autoritária. Esta atitude não facilitará a criação de uma plataforma de entendimento consensual sobre o modelo de descentralização e regionalização mais adequado à realidade cabo-verdiana, para a elaboração de propostas concretas sobre o futuro político, administrativo e económico de Cabo Verde. Pois, embora o aval de experiências bem-sucedidas no Mundo, não existe uma doutrina uniforme sobre a descentralização, nem verdades axiomáticas sobre esta matéria, muito menos teorias dogmáticas, comprovado está que o estudo e o planeamento de uma descentralização/regionalização envolvem uma série de variáveis, que são pertença da substância complexa e multiforme do problema, e que elas são do âmbito político, geográfico, demográfico, económico e histórico-cultural (3).

Sugiro, assim, ao Onésimo que clarifique melhor o seu pensamento, porque, como se costuma dizer, à mulher de César não basta ser séria, tem de parecer ser séria. Isto quer dizer apenas que pode este político estar a incorrer num risco involuntário e absolutamente desnecessário, que levará outros a murmurar: “Naquele país, falar de regionalização (política e administrativa) é quase um crime de lesa-pátria ou um acto de desobediência cívica à doutrina centralista do PAICV, partido que muitas vezes sente-se dono e polícia da consciência do país”.

Em todo o caso, e dando-lhe o benefício da dúvida, quero crer que, contrariamente ao JNM, aquilo que Onésimo propugna para Cabo Verde, em geral, e a ilha de S. Vicente, em particular, é a regionalização no seu significado conceptual mais amplo e mais completo: eleição de órgãos representativos e governativos próprios e certo grau de autonomia financeira e de decisão política. De resto, tem sido por demais evidente em todos os artigos já publicados sobre regionalização (Arsénio de Pina, Adriano Miranda Lima, António Pascoal Santos, Luiz Silva, da minha própria pessoa, e vários outros jovens autores como Aldirley Gomes) e da posição já expressa por vários políticos locais e nacionais, que o conceito envolve um carácter político e simultaneamente administrativo bem como uma autonomia que, citando Adriano Miranda Lima (1), “corresponderá à amplitude que for conferida à transferência de autoridade político-administrativa, que quanto maior é, mais efectiva torna a autonomia. Uma autonomia configura responsabilidades político-administrativas próprias no espaço jurisdicional de um poder local e circunscrita a certas áreas de governação, que excluem normalmente as que têm uma relação directa com a soberania e são da estrita dependência do governo central.”

Voltando ao princípio desta narrativa (1ª parte), vimos que a antiga administração colonial, já na sua fase final, pensou num figurino administrativo diferente para o arquipélago de Cabo Verde e chegou a indigitar um governador para o Grupo Barlavento, o que revela já na altura uma correcta percepção das consequências político-administrativas da descontinuidade territorial da colónia e da necessidade de uma resposta adequada e mais próxima dos interesses daquelas ilhas. O companheiro e conterrâneo Adriano Miranda Lima, que foi vizinho em Tomar do governador então digitado, Dr. Jerónimo Graça (falecido em 2011), confirma que ouviu directamente da sua boca o facto aqui referido.

É verdade que tal solução não corresponderia propriamente ao que hoje defendemos actualmente para o país – a regionalização – mas constituía certamente o primeiro lance de um olhar realista para os problemas do arquipélago. Na realidade, a iniciativa do governo do MPD nos anos 90 seguiu, em certa medida, a lógica subjacente ao projecto da administração colonial, e se não fosse abortada por questões de ordem ideológica, estaríamos hoje a desfrutar em todo o arquipélago do seu impacto socioeconómico e quiçá político. Todavia, na presente conjuntura, essa regionalização minimalista já está fora do contexto, ultrapassada no seu ‘timing’, na medida em que como referi precedentemente, a sua concretização actual só serviria para matar a ideia e o conteúdo da regionalização, servindo exclusivamente os interesses de uma oligarquia política e económica bem instalada no conforto do poder, que tudo fará para abafar qualquer ‘radiografia’ do país, debate e tratamento dos problemas candentes da sociedade cabo-verdiana contemporânea. Ontem como hoje, a solução dos problemas de Cabo Verde requer o equilíbrio entre o factor geoeconómico e o político “tout court”, o primado da racionalidade sobre a obtusidade mental. Nenhuma decisão sobre a regionalização deverá ser tomada sem uma ampla discussão envolvendo os principais actores e a sociedade civil. Tão pouco será possível introduzir esta reforma e as que vêm anexadas, sem as preceder de um debate sobre o acervo de mudanças profundas e necessárias que o país reclama. Pois a regionalização, mormente a minimalista, sendo parte da solução, não será de certeza a panaceia para os muitos problemas graves e crónicos que já assolam o país. (FIM)

PS: A experiência de regionalização em curso em Marrocos (5), da iniciativa e impulsionada pelo próprio rei (que não pode ser acusado de querer dividir o seu país), e já em fase avançada de implementação, prova ser uma reforma natural e que merece a nossa atenção, desmonta as inverdades e fantasmas que, infelizmente, alguns querem construir em torno da problemática. Esta reforma é já prova de maturidade política de um país como o Marrocos.

(1) LIMA, Adriano, “Descentralização Político-Administrativa (Entre a teoria e a realidade prática) – 1ª Parte”, Liberal Online, Fevereiro de 2012
(2) LIMA, Adriano, A Regionalização em Cabo Verde: Recentrar o tema na agenda Nacional. Liberal Online, Fevereiro de 2012
(3) Fortes Lopes, José, “Reacção do Movimento para a Regionalização de Cabo Verde aos recentes desenvolvimentos políticos em Cabo Verde”. Notícias do Norte & Liberal Online, de Outubro de 2012.
(4) La Régionalisation, une histoire de plus d’un demi-siècle. Association des Régions de France (A.R.F.) http://www.arf.asso.fr/histoire-du-fait-regional.
(5) La Commission Consultative de la Régionalisation (CCR), Maroc:
-http://www.regionalisationavancee.ma/PageFR.aspx?id=5;
-http://www.diplomatie.ma/Regionalisationavancee/tabid/220/language/fr-FR/Default.aspx;
-http://www.libe.ma/La-question-de-la-regionalisation-au-Maroc_a9519.html.
(6) http://noticias.sapo.cv/vida/noticias/artigo/1307828.html#showcomment

quarta-feira, 27 de março de 2013

[0404] Da Praia de Bote à Cidade Velha com turismo pelo meio

Dá gosto ver e é significativo o que estas fotos revelam. Enviadas (bem como o texto)  pelo português mais cabo-verdiano da Cidade Velha, o poeta, escritor e radialista Nuno Rebocho, nosso amigo, ficam bem no PRAIA DE BOTE - onde fica bem tudo que é de mar e de Cabo Verde. De resto, é bom que o Mindelo ponha aqui os olhos... e as vontades.


Turismo na Cidade Velha: uma realidade do dia a dia

A aposta, em boa hora feita, no turismo como motor do seu desenvolvimento está a ser ganha por Cidade Velha. De dia para dia, é maior o número de visitantes estrangeiros que chegam ao Berço Histórico da Nação cabo-verdiana, desdobrando o perfilar de línguas que se cruzam para procurar se fazerem ouvir e entender: inglês e francês, alemão, holandês, espanhol e italiano, de tudo se ouve. Até japonês. Na rota dos grandes paquetes turísticos que chegam constantemente a Cabo Verde, desembarcando na Praia, a nova estrada alcatroada que liga a Cidade Velha é um apetite convidativo. Com isso, cresce a nova procura nos bares e restaurantes do Património da Humanidade, enquanto se preparam novas ofertas que atraiam a atenção dos turistas. E não é já apenas o sonho de se abrir o mercado. Há mais: Cidade Velha, agora feita um verdadeiro estaleiro de construção, com obras por tudo quanto é sítio, está a transformar-se a olhos vistos e a crescer.






domingo, 24 de março de 2013

[0403] 2.ª parte de mais um texto de José Fortes Lopes sobre a Regionalização

Do Colóquio/“Atelier” sobre a regionalização em 2007 ao Conselho de Ministros de 2013 em Mindelo: O enterro e a ressurreição da Regionalização Administrativa

2.ª parte: Da Génese do Centralismo em Cabo Verde ao Debate da Regionalização

José Fortes Lopes
Na primeira parte concluímos que estaríamos perante um confronto sobre os caminhos futuros para o país, entre um modelo conservador, centralista, partidarista, dirigista, fechado ao mundo não respeitador da diversidade e um modelo progressista, descentralizado democrático, regionalista, aberto ao mundo e respeitador dos valores da diversidade assim como os globais da cabo-verdianidade.

No meio disto tudo, decorre o debate sobre a Regionalização em crescente efervescência, o Grupo de Dinamização activa-se no Mindelo e os mais novos começam a vir a terreiro e a aderir entusiasticamente à ideia da mudança, emprestando-lhe o entusiasmo e a generosidade que são timbre da juventude e flor da esperança. O governo, por seu turno, de forma sorrateira, arma uma mise-en-scène e “contra-ataca” reunindo um conselho de ministros em S. Vicente, como querendo alardear uma intenção de abertura para a descentralização, durante o qual anuncia ‘projectos estruturais’, entre outros o Cluster do Mar e as polémicas obras na Laginha. Simples expediente dilatório para manter o muro de silêncio e o tabu à volta da Regionalização, mas que já não convence os que entendem que o caminho a seguir é o de uma verdadeira democratização política, social e económica do país, a única via para a alavancagem do futuro e para um desenvolvimento sustentável.

Mas não, em vez disso, assistimos a promessas de projectos grandiosos e votos piedosos para transformar Cabo Verde num país desenvolvido até 2030, quando depois de 40 anos de independência a sua estrutura permanece a de um país extremamente vulnerável, reciclador de esmolas, e no limite da viabilidade. Após ter anunciado há meses que já ia abrir o famoso Livro Branco e promover um debate alargado, parece que o Primeiro-Ministro arrepiou caminho e volveu-se a numa postura mais expectante, como que a ver no que param as modas. Todo o investimento em curso neste momento parece canalizado para desmontar, descredibilizar ou esvaziar a ideia da Regionalização, quando se pensava, conforme promessa feita, que o José Maria Neves ia orientar o seu partido no sentido de contribuir para o debate de ideias sobre a reforma em causa. Ao mesmo tempo, lança uma grande confusão conceptual sobre a Regionalização, baralhando o debate, ao defender a sua vertente exclusivamente Administrativa, pura hipocrisia de quem pretende iludir o cidadão sobre a natureza de um processo que é simultaneamente administrativo e político. É o mesmo que com muito empenho e zelo defende inoportunamente o projecto de Estatuto Especial para a capital, quando qualquer desatento percebe que esta iniciativa só poderá estar enquadrada numa discussão global no âmbito da Regionalização. Após anos de políticas centralistas, fundamentalistas, não poucas vezes apostando na táctica de dividir para reinar, acusa os regionalistas de quererem dividir o país. Estas alegações são tanto mais falsas e infundadas quanto até hoje não se provou que algum país tenha ficado pior ou dividido após a adopção da Regionalização, que é sempre uma receita vantajosamente aplicada em países com descontinuidade territorial e cambiantes culturais mais ou menos diferenciados no seu espaço. Como referi em artigos anteriores, na maioria dos países a Regionalização foi de tal maneira aprofundada e bem conseguida que as Regiões acabaram por ser consideradas entidades políticas ‘tout-cout’, com amplas latitudes políticas e administrativas, acabando o Estado Central por reservar-se a um carácter federador de Regiões, como é o caso da Alemanha, dos EUA ou da Espanha, e limitado ao exercício da soberania. Portanto, nada de criar papões neste debate. De resto, chegou o momento em que os centralistas e os conservadores devem dar o corpo ao manifesto anti-regionalista e apresentarem argumentos científicos convincentes que possam validar as suas teses sobre a eficácia e a bondade do centralismo e a inoperância da Reforma que propomos, pois de nada serve ataques pessoais ou argumentos falaciosos. Como já dissemos, estamos abertos e aguardando uma confrontação e um debate de ideias construtivos sobre estes e outros assuntos atinentes ao futuro de Cabo Verde.

É neste contexto que surgem dois artigos de Onésimo Silveira. “Descontinuidade Territorial e Regionalização”, em duas partes subsequentes, onde explana o seu pensamento sobre a Regionalização e anuncia aquilo que não surpreende ninguém, ou seja, que é adepto do modelo Ilha Região, modelo de resto adoptado pelo Grupo Dinamizador no Mindelo, de que ele faz parte, um modelo bastante consensual entre os adeptos da Regionalização em S. Vicente. O que mais surpreendeu foi a sua abordagem ao modelo de Regionalização. A um dado passo do artigo, escreve referindo: “Como autarquia supra-municipal, a região de São Vicente a si mesma lançaria um desafio para o futuro. O da solução dos seus problemas em regime de auto-administração, quer dizer, administrando-se a si própria, já não à distância, mas por intermédio de dirigentes regionalmente eleitos.” Mais adianta: “A regionalização administrativa para São Vicente consistiria numa autarquia local supra municipal, situada, quanto à atribuição de competências, a um nível mais elevado, entre o Município e o Estado. É o nível da região administrativa.”

Somos levados a extrair aqui que o Onésimo Silveira, ao ser cauteloso e mencionar ipsis verbis “Regionalização Administrativa”, está a falar Urbi et Orbi, tentando tranquilizar as pessoas que pensam que os regionalistas pretendem o isolacionismo ou uma independência de S. Vicente, ao mesmo tempo que parece lançar um piscar de olhos aos conservadores moderados, ainda indecisos, já que existem no país, nomeadamente nos partidos, como disse, pessoas professando posições extremamente reaccionárias sobre esta matéria. A estratégia do Onésimo pode justificar-se pelo facto de o projecto de Regionalização ser transversal a toda a sociedade mindelense, independentemente da cor partidária, já que sabemos existirem no PAICV da ilha apoiantes convictos desta reforma tanto na sua ala progressista como na conservadora. Lembremos que JMN e o PAICV declararam-se a favor de uma Regionalização puramente administrativa, ou seja, um modelo de pseudo-regionalização concebido sob a alçada e tutela do governo, e que mais não é que uma falácia sobre o próprio conceito. Teríamos, presume-se, uma não-regionalização, tão-só algum processo de desconcentração do poder político centralizado e que se traduz apenas em nomear um governador civil que em cada ilha se torna o pau-mandado do governo. Lembremos ao leitor que nos anos 90 o MPD teria tentado experimentar a chamada regionalização administrativa com a nomeação de governadores civis para S. Vicente. Foi o governo eleito do PAICV em 2001 e chefiado por JMN quem abortou esta experiência ainda no ovo. É a mesma pessoa, que acossada pelo debate e julgando que os cidadãos têm a memória curta, retira da sua cartola o mesmo projecto que chumbou 10 anos antes. Por estas e outras razões, as pessoas ficam descrentes da política e dos políticos, na medida em que estes demonstram sistematicamente incoerência e inconsistência nas suas posições. Todavia, acredito que o Onésimo Silveira não pretende essa solução e que talvez se tenha apenas enredado nos liames do conceito. Como pessoa bem-intencionada, admito que aquele político e pensador entenda que a designação “regionalização administrativa” contém implícita a armadura política que é o seu verdadeiro substrato conceptual e que se traduz basicamente na escolha eleitoral do poder regional e na detenção de uma larga e autónoma capacidade de decisão sobre os destinos da região. É que, a não ser assim, nada justificaria tanto debate e tanta eloquência discursiva derramada na praça pública. Pois se a Regionalização pudesse ser um puro processo administrativo despido de qualquer carga política, como pretendem os seus detractores, Portugal Continental teria sido sempre um país regionalizado, por ter governadores civis, ou a França não teria implementado nos anos 80 a Regionalização, na medida em que desde Napoleão ela está dividida em Prefeituras, com Prefeitos nomeados pelo governo e obedecendo às directivas centrais. Daí que mesmo depois da Reforma dos anos 80 a França tenha conservado as Prefeituras como instrumento governativo e administrativo do Poder Central, cedendo às prerrogativas do poder local para as Regiões. Assim, em cada Região francesa temos o poder do Estado representado pela pessoa do Prefeito e o poder Regional eleito e pessoa política. Portanto, meus senhores, são dois conceitos distintos, para quem pretenda intencionalmente baralhar as cartas.

(continua numa 3ª parte: O Debate da Regionalização e a renovação política de Onésimo Silveira)

(1) LIMA, Adriano, "Descentralização Político-Administrativa (Entre a teoria e a realidade prática) – 1.ª Parte", Liberal Online, Fevereiro de 2012.
(2) LIMA, Adriano, "A Regionalização em Cabo Verde: Recentrar o tema na agenda Nacional", Liberal Online, Fevereiro de 2012.
(3) LOPES, José, "Reacção do Movimento para a Regionalização de Cabo Verde aos recentes desenvolvimentos políticos em Cabo Verde". Notícias do Norte e Liberal Online, 9 de Outubro de 2012.

sexta-feira, 22 de março de 2013

[0400] Monsieur le vice-consul Valdêmarr Pêrreirra a descendu dans la capitale portugaise

E assim foi. Hoje, Lisboa e o PRAIA DE BOTE receberam a visita do vice-cônsul Valdemar Pereira (mnine de Soncente e ferrenho adepto do Castilho ANTES ESCREVI DERBY E SÓ AGORA ME DEI CONTA, PELO QUE PEÇO DESCULPA AO INVETERADO CASTILHENSE) que desceu de Tours à velha capital do império luso. 

Depois de um passeio pela novíssima marginal ou passeio público pedonal entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço (a inaugurar este fim-de-semana), passou-se à velha igreja de São Julião que está a ser transformada em Museu da Moeda (do Banco de Portugal, a abrir talvez em Agosto) e apresenta agora uma exposição (gratuita) sobre o espólio do templo desactivado. Seguiu-se o Terreiro do Paço, onde não foi possível ver nem o arco da Rua Augusta nem a estátua de D. José (ambos em restauro) mas observou-se o local onde o Rei D. Carlos foi assassinado e o Cais das Colunas - onde entre outros eventos aconteceu o desembarque da Rainha Isabel na primeira vez que veio a Portugal.

O almoço desenrolou-se no afamado "João do Grão", com o tradicional bacalhau com batatas e grão, regado com belo vinho da casa (do Cartaxo). Pelo meio, houve uma ligação telefónica ao amigo comum Adriano Miranda Lima que estava em Tomar... a tomar o almoço dele. O pós-refeição fez-se na Ginjinha do Largo de S. Domingos e o café foi bebido ao balcão da Brasileira do Chiado. Cá fora, como sempre, rendeu-se homenagem ao poeta Fernando Pessoa. Uma ida ao miradouro do elevador de Santa Justa e a descida no mesmo com regresso ao sítio inicial completaram tarde muito bem passada em que se falou de tudo, sobretudo de coisas de Portugal e do Mindelo - como seria de esperar... Segue desenvolvida reportagem fotográfica que certamente será apreciada entre os muitos amigos portugueses, cabo-verdianos, malgaxes e franceses do antigo diplomata.









quinta-feira, 21 de março de 2013

[0399] A Wilson e o malogrado SS "Ville du Havre"

A coisa hoje mete cheque (de 186 libras, em 22 de Janeiro de 1905) a Wilson, Sons & Co., Limited (cuja memória ainda perdura em São Vicente), o Royal Bank of Scotland, o Bank of England e o comandante do SS (Steamship) "Ville du Havre". Lançado à água em 1866, o vapor colidiu com o veleiro de três mastros "Loch Earn" e afundou-se em apenas 12 minutos, tendo morrido no naufrágio 226 pessoas. Sobreviveram 61 passageiros e 26 membros da tripulação. Mas para saber mais sobre o navio e a sua tragédia, leia AQUI. E no meio de tudo, aquele saboroso "Saint Vincent - Cape Verd's". Mais uns pós para a história da nossa ilha



O "Ville du Havre"


terça-feira, 19 de março de 2013

[0398] Da Génese do Centralismo em Cabo Verde ao Debate da Regionalização

1.ª Parte: A Génese da ideologia do Centralismo

José Fortes Lopes
Para percebermos como a problemática da Regionalização é antiga e já olhada com muita acuidade nos finais do século XIX, a leitura dos recentes artigos do Luiz Silva (Cabo Verde: Regionalização e Emigração I, II) publicados no Expresso das Ilhas dá-no-lo a conhecer e mostra-nos que ela é secular. Além disso, o extracto de um email recente nos faz recuar 50 anos no tempo para vermos que a problemática nunca saiu da actualidade. Alguém escreveu e traz informações desconhecidas para a maioria das pessoas: “Naquele país, falar de descentralização é quase um crime….. Herdámos uma administração colonial centralizada que servia muito bem os desígnios dos apoiantes do PAICG, depois CV, por isso não mexeram nela. Uma curiosidade: Hoje ninguém recorda-se de que ia acontecer uma "descentralização" no tempo colonial. Chegou a ser criado o cargo de governador do Barlavento, (que seria um tal Dr. Graça, salvo erro) e o chefe de gabinete seria o Chico Dias, mas não chegou a ser ocupado por ter havido o 25 de Abril. Penso que se tivesse sido efectivada esta "descentralização" colonial, a herança administrativa seria outra, pois o Barlavento ter-se-ia habituado ao seu governo local e no Cabo Verde independente teriam de aceitar isso.”
Alguns dirão que são apenas episódios da história colonial, a meter para debaixo do tapete como lixo de má memória, outros alegarão que os colonialistas apenas quereriam dividir para reinar, mas a verdade é que os factos são de real pertinência para uma melhor compreensão da situação do debate em curso sobre a problemática da Regionalização. Este email caiu assim muito a propósito no meio do debate, veiculando uma informação que vem demonstrar que os fundamentos invocados pelos defensores da Regionalização afinal não são de hoje. Vem lembrar-nos de que estava na agenda da administração colonial aquilo que alguns verberam com estranha acidez, o que demonstra que muitas vezes o progressismo nada tem a ver com rótulos ideológicos ou sistemas de dominação política. Significa que o colonialismo na sua fase final tentou “dar o corpo de si” reconhecendo o carácter regional de Cabo Verde? Se foi manobra de última hora ou expediente político puro, não se sabe! Hoje, olhando para trás no tempo só podemo-nos questionar sobre quantos anos teremos perdido ou ainda estaremos a perder, fruto da cegueira e da passividade dos actuais políticos, relativamente a uma reforma que já na época teria sido crucial e de um grande alcance em todo o arquipélago. Mas uma coisa é certa, as autoridades portuguesas entregaram sem delongas os cabo-verdianos às novas autoridades do PAIGC, erigido em partido único, sem se ter acautelado as condições de uma transição democrática em Cabo Verde e nem os interesses das suas populações, incluindo os das débeis forças políticas no terreno. Ambos os actores tinham muita pressa nos seus calendários políticos: as autoridades portuguesas ao tentar o tudo por tudo para desfazerem-se do seu império, que já era a fonte de todos os problemas de Portugal e um empecilho à sua plena reintegração urgente no mundo ocidental, ou melhor na CEE, e os combatentes do Paigc impacientes para alcançarem o poder e enterrarem o machado da luta armada. Nestas coisas costuma-se dizer que a pressa é inimiga da perfeição e amiga do azar. Pois efectivamente, se tivesse havido tempo ‘de ter sido efectivada a "descentralização" colonial, a herança administrativa seria outra, pois o Barlavento ter-se-ia habituado ao seu governo local e no Cabo Verde independente teriam de aceitar isso.” Mas isto são outras histórias, que remetemos para os historiadores, que neste momento apenas nos levariam a especulações e divagações. No entanto, tudo isto vem lembrar-nos de que a situação perniciosa do centralismo, que chegou ao paroxismo hoje em plena democracia, é uma herança colonial.

Os governos sucessivos após a independência sofisticaram o centralismo e, com o advento da democracia dos números, foi consagrado esse epifenómeno sobre todo o espaço cabo-verdiano, através da legitimação eleitoral. S. Vicente terá sido vítima da história e do seu próprio sucesso como foco de contestação do sistema colonial e que em 1974 abraçou quase unanimemente o PAIGC e a causa da independência. Nunca se fez o balanço da acção do centralismo em cerca de 40 anos de independência, vitimando de modo particular S. Vicente, uma ilha onde pairam os efeitos de um autêntico tsunami político, após o sismo político provocado pela brusco colapso do sistema colonial português. A sangria nunca parou e nunca mais S. Vicente se levantou. Vagas incessantes e sucessivas de emigrantes deixaram a ilha depauperada dos seus recursos humanos, desde os mais jovens aos mais experientes. Uma primeira vaga de cabo-verdianos terá debandado devido aos rumores de que o PAIGC seria um partido comunista ou apenas por quererem manter-se português, e incluía “colonos assimilados”, os ditos “contra-revolucionários” ou “catchor de dôs pé”, a pequena burguesia local, apelidada de colonial, constituída basicamente de pequenos funcionários e quadros administrativos. Uma segunda vaga levou carradas de pessoas pertencentes à elite local amedrontadas com o crescendo de um processo revolucionário ameaçador das liberdades, seguida da transferência de funcionários para a ilha-capital para preencher as funções do estado deixadas vacantes pela fuga da administração colonial, que paradoxalmente era constituída por quadros cabo-verdianos. A terceira vaga deu o estoiro final, carregou para a emigração grande parte das forças vivas que restava na ilha, desde pequenos funcionários, trabalhadores artesãos à procura de melhores dias, muitos por não acreditarem no novo regime que se declarava revolucionário e unipartidário. Uma vaga menos importante correspondeu a dos jovens que saíram para iniciar ou prosseguir os seus estudos universitários, e que nunca mais regressariam à sua ilha natal, incluiu estudantes ‘forçados’ ou ‘castigados’ pelo poder, muitos deles jovens elementos recém-integrados no PAIGC, mas já manifestando-se rivais da velha guarda, por isso susceptíveis de constituir perigo para o grupo de Conacri (ou melhor, os elementos não associados aos grupos de Lisboa), o que nos anos 80 levaria a uma depuração política no seio do PAIGC. Com as devidas proporções, poucos locais no mundo terão sofrido tanta ‘sangria’ humana em tão pouco tempo como S. Vicente. Temos assim aqui resumido a génese da queda de S. Vicente e a emergência de um fenómeno atípico e com forte carga ideológica, o centralismo.

Podemos concluir que o PAIGC adaptou-se admiravelmente às condições centralistas criadas pela natureza intrínseca do sistema colonial implantado, aperfeiçoou-o e gerou um novo sistema centralizado político baseado no controlo político das populações, que mais tarde com o advento da democracia formal se transformaria em centralização total. Todavia, é preciso lembrar que embora a capital colonial se situasse na Praia, S. Vicente tinha a sua vida própria, constituída de alternativas e pulsões criadas pelo próprio sistema, de modo que Cabo Verde tinha dois polos importantes na articulação da sua estrutura administrativa. Nada disso foi levado em conta e a transição da ilha de um sistema colonial para um sistema pós-colonial já estava inoculada com o vírus de doença maligna. O PAIGC, afirmando que S. Vicente era o rosto da herança colonial, condenou a ilha a uma penitência de mais de 20 anos, parecendo não desejar tirar partido das suas potencialidades naturais e das estruturas nela deixadas, cuspindo assim no prato que o tinha alimentado, com a adesão quase unânime à causa deste partido em 1974. Ao invés, decidiu fazer tudo de novo, num propósito assumido de arrancar do zero, certamente para apagar quaisquer vestígios indesejáveis do passado. E foi assim que se houve investimentos, alguns até vultuosos, eles revelaram-se improdutivos, quer pelo desaparecimento da antiga elite social e empresarial, quer por não estarem bem configurados com a nova realidade social ou por não estarem integrados em sectores com potencial minimamente assegurado.

Com efeito, contrariamente ao que muitos detractores hoje afirmam, o estado actual de S. Vicente não se deve à falência dos modelos de desenvolvimento por incompetência ou inépcia da sociedade local, mas ao facto de a ilha ter perdido a força anímica que advinha da massa crítica social, que se exilou por causa da nova conjuntura política. Além disso, a dinâmica política independentista instaurada no país fez questão de arredar de S. Vicente todo e qualquer simbolismo representativo que poderia galvanizar a ilha para uma participação partilhada na discussão do novo rumo nacional. A instalação na ilha de alguns órgãos ou instituições de soberania teria bastado como sinal de confiança para que se operasse paulatinamente a renovação natural da massa crítica perdida. Mas, como nada disso aconteceu, faltando as condições de fixação para os poucos quadros que ficaram e os que se foram formando, estes, à falta de outra alternativa, tiveram de rumar à capital, onde se concentrava a máquina do Estado. Doravante seria um êxodo não justificado por causas políticas mas por uma simples questão de sobrevivência.

O evento da democracia e da instauração do regime pluripartidário resultaram de um novo tsunami político, que constituiu a contestação ao sistema todo-poderoso de partido único e à hegemonia total do PAICV em Cabo Verde, após o sismo político provocado pela brusco colapso do sistema comunista soviético. Aqui também não houve tempo para uma transição democrática que acautelasse os interesses de uma democratização do sistema cabo-verdiano. É assim que a oposição exilada no estrangeiro, nomeadamente a UCID e outros grupos, ficou de fora do processo, quando foram esses os primeiros a lutar pela instauração da democracia em Cabo Verde. A estrutura do poder permanecia na mesma elite que fundou o sistema de partido único e hostil a todos intrusos, nomeadamente estrangeirados, termo xenófobo inventado nos anos 80, carregado de hostilidade em relação aos emigrantes e à diáspora, vistas como ameaças potenciais. Onésimo Silveira, um estrangeirado rejeitado pelas elites locais, apesar de ter conseguido encontrar a sua via, entrou num colete-de-forças que se fechava em seu torno pelas pressões do PAICV e do MPD, ao mesmo tempo que viu acossada a sua política autárquica na Câmara de S. Vicente pelas políticas centralistas, ou asfixiantes, do governo do MPD. Onésimo Silveira terá cometido inúmeros erros políticos derivados dessa situação política algo esquizofrénica criada pelo próprio processo de abertura. Com a perda do poder pelo MPD, entrou em força um governo de tendência fundamentalista com o ADN santacatarinense, reivindicando um retorno ao irredentismo e ao africanismo, tentando valorizar em exclusivo tudo o que tem origem na ilha de Santiago, costumes, língua, folclore, etc. Ingenuamente, o Onésimo Silveira terá servido como embaixador daquilo que ele hoje paradoxalmente denuncia e condena sem dó nem piedade - as políticas hegemónicas do regime. Este foi um erro estratégico que ainda paga caro, e que muitos acreditam ter sido uma armadilha montada para o desacreditar ou esvaziar o seu capital político. De qualquer maneira, são elementos próximos do regime que hoje usam este facto como arma de arremesso para atacar ferozmente a credibilidade de Onésimo, agora que tomou a dianteira do debate e aparecendo cada vez mais como interlocutor conveniente do regime. Onésimo é sem dúvida a pessoa que mais tem desmontado as políticas hegemónicas deste governo no plano cultural e da língua, um regime que introduziu um discurso messiânico, cantando que ‘Uma vez era Cabo Verde: Santiago e Cidade Velha’, o que soa mal nos ouvidos de muitos cabo-verdianos, nomeadamente do Onésimo.

Com efeito, toda a política do país está hoje centrada na ilha-capital e dirigida para ela, absorvendo os recursos humanos e financeiros com chocante exclusividade, de modo que tudo o que é de moderno e bom tem ali lugar privilegiado, com o objectivo único de servir a ilha e o empoderamento dos seus habitantes e da sua cultura, tida como o centro único e unificado de Cabo Verde. S. Vicente, o pólo natural da região Norte e sempre rival da capital, está relegado para segundo plano, votado a uma total irrelevância política, enquanto os mindelenses emigrados na Praia regem a partitura dos seus interesses pessoais, adoptando uma postura cada vez mais indigna ou subserviente, induzindo a abulia cívico-política da população da sua ilha. Portanto, colaboram com o apagamento do chão onde nasceram quando não incentivam inconscientemente atitudes contrárias ao seu próprio interesse, na medida em que muitos deles verberam quem ousa dizer que o rei vai nu, num claro apoio ao centralismo político e à marginalização da sua ilha. Este é o panorama actual do confronto entre os novos progressistas (incluindo regionalistas e reformistas), que reclamam reformas e um novo paradigma para Cabo Verde, e os ‘actuais reaccionários’ às reformas, incluindo centralistas, as elites fidelizadas que giram em torno dos círculos de poder, todos pactuadas com os fundamentalistas que detêm o poder actualmente. Os reformistas, ao proporem uma visão diferente para Cabo Verde, não coincidente com a dos fundamentalistas e conservadores reaccionários, tornam-se alvos da sua ira, sofrendo contra-ataques ferozes só porque defensores da ideia da regionalização, e não poucas vezes com catalinárias furibundas a atingir o carácter das pessoas com a insinuação de que o que pretendem é dividir Cabo Verde e arranjar trampolim para atingir o poder. Comportam-se como autênticos fátuas electrónicos, sem outra atitude que não a da intolerância irracional e demolidora, sem outra mensagem que não a da manutenção de um status-quo que apenas favorece quem o promoveu e dele tira proveito, lembrando os velhos tempos do fanatismo ideológico. Estamos pois perante um confronto ideológico sobre os caminhos futuros a seguir para Cabo Verde, entre o modelo centralista, dirigista, autoritário, quase pessoalizado, com contornos perigosamente étnicos, e um modelo regionalista, descentralizado, democrático, aberto e respeitador dos valores globais e seculares da cabo-verdianidade como uma visão para o futuro. 

(Continua:  2ª Parte: O Debate da Regionalização)

domingo, 17 de março de 2013

[0397] Ainda as companhias estrangeiras de cabo submarino do Mindelo

Do nosso colaborador Zeca Soares (ao qual agradecemos vivamente o contributo), uma pequena nota e fotografias de parte do que resta das antigas companhias Italcable e Western Telegraph Company. Ler o nosso recente artigo integrado nas Crónicas do Norte Atlântico (Jornal Terra Nova, de S. Vicente) sobre a Italcable AQUI.

Antes que desapareça totalmente, aqui vai com alguma nostalgia aquilo que ainda resta do que foram as Instalações do ITALCABLE no alto da Matiota (hoje diz-se Lajinha). Nas imagens vemos parte do muro exterior e de uma das intalações no interior, cuja portas e janelas estão tapadas com blocos. O portão do muro exterior despareceu. O espaço onde esteve siatuada a ITALCABLE é considerado de excelência em nossa opinião, pela sua localização privilegiada, e deveria ser melhor apraveitado com um enquadramento das mesmas instalações. Mas infelizmente, o tempo esta a passar e aquela zona continua uma bagunça urbanística, não se sabendo o que é que aquilo vai dar. Entretanto, o relógio da antiga concorrente da ITALCABLE continua com a sua imponência no centro da cidade do Mindelo, na antiga Rua do Telégrafo. 

Zeca Soares

Foto Zeca Soares
Foto Zeca Soares
Foto Zeca Soares

[0396] Grandiosa viagem a Cabo Verde

O anúncio é de Setembro de 1960 mas foram guardados alguns lugares para os frequentadores do PRAIA DE BOTE que queiram viajar no tempo... Até porque o que são para nós 642 dólares, por uma viagem de ida e volta dos ou para os States? Ainda por cima, num jacto Britannia... Até ao Sal, pessoal... E lá diz o slogan: "Se quer bem viajar, faça-o na agência Aguiar"...


sábado, 16 de março de 2013

[0395] Algo vai mal nas ilhas, sobretudo na nossa: de três assassinatos em São Vicente em 2011 passou-se para sete em 2012

ANGOP Agência AngolaPress
15.3.2013

Cabo Verde - Índice de criminalidade aumentou 10,3% em 2012

Cidade da Praia -  O índice de criminalidade em Cabo Verde aumentou 10,3 porcento em 2012, tendo sido reportados 24.444 casos, mais 2.292 do que em 2011, revelam dados da polícia cabo-verdiana, citados hoje (sexta-feira) pelo semanário A Nação. 

Segundo os dados, o Tarrafal de São Nicolau foi o concelho que registou o aumento mais significativo, com uma subida de 64,6 por cento de casos, contrastando com o município vizinho da Ribeira Brava, na mesma ilha, que registou uma das subidas mais baixas da taxa de criminalidade, 1,8 porcento.

No mesmo período, os concelhos de Santa Cruz (ilha de Santiago, 54,3%), Ribeira Grande de Santiago (42%), Mosteiros (Fogo, 36%) e Porto Novo (Santo Antão, 33%) foram os municípios que registaram maiores subidas no índice de criminalidade. 

Três concelhos, porém, registaram uma diminuição, com o da Brava, com uma queda 22,5%, São Filipe (Fogo), de 13,8%, e Maio, de 8,3%. 

Em termos absolutos, o município da Cidade da Praia mantém a liderança do crescimento da criminalidade, registando cerca de um terço do total dos casos reportados - passou de 7.404 em 2011 para 8.108 em 2012. 
 
Em relação aos homicídios, a capital cabo-verdiana mantém-se também no "topo", ao registar 29 casos, menos quatro, porém, do que em 2011. São Vicente, o segundo maior concelho do arquipélago, subiu, no mesmo período, de três para sete homicídios.

Os dados sobre a evolução da criminalidade de 1996 a 2012 apontam para um aumento na ordem dos 86%, o que permite estabelecer uma média anual de 5,4%.

sexta-feira, 15 de março de 2013

[0394] Peditório dos marinheiros da canhoneira "Zambeze", em São Vicente, para as vítimas da revolução republicana de 5 de Outubro de 1910


Lançamento da canhoneira "Zambeze" à água - Jornal Pontos nos ii, 7.Outubro.1886, desenho de Rafael Bordalo Pinheiro - Foi neste barco que o régulo moçambicano  Gungunhana foi levado como prisioneiro de Lisboa para a ilha Terceira, onde morreu.
Canhoneira "Zambeze" em 1890 - Blogue Restos de Colecção

quinta-feira, 14 de março de 2013

[0393] Cabo Verde está na moda. PR e Carmen Souza em jornais portugueses

O Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, no "Expresso" e a cantora Carmen Souza no "i" são motivo de trabalhos destes dois semanários portugueses. Para os que ainda não os leram, eles aqui ficam no PRAIA DE BOTE. Para ver, basta clicar nas imagens respectivas.

Jorge Carlos Fonseca - Foto DN

terça-feira, 12 de março de 2013

[0390] Memórias da Italcable em São Vicente



CRÓNICAS DO NORTE ATLÂNTICO são também publicadas no blogue ESQUINA DO TEMPO. Ver AQUI

Crónica de Fevereiro.2013

GÉNESE E OCASO DA ITALCABLE, A COMPANHIA ITALIANA DOS CABOS TELEGRÁFICOS SUBMARINOS, EM SÃO VICENTE

Devido à sua condição de importante centro portuário, o Mindelo desde cedo esteve ligado ao mundo através do cabo submarino, grande novidade no campo das comunicações. Logo em 1874, a inglesa Western Telegraph Company amarrava na praia da Matiota, em S. Vicente, um cabo que fazia a ligação da ilha do Monte Cara à Madeira e depois ao Brasil. Pouco após, em 1886, era a vez de se fazer a conexão à África e à Europa continental. A presença de dirigentes e técnicos telegráficos britânicos na ilha ficou ali marcada até hoje, em apelidos, hábitos sociais e desportivos e até em alguma arquitectura remanescente desses tempos. Não é porém da história cabo-verdiana da WTC que esta crónica irá tratar mas sim da de uma sua concorrente posterior, a Compagnia Italiana dei Cavi Telegrafici Sottomarini, mais conhecida por Italcable.

A presença de italianos nas ilhas era já uma realidade na transição do século XIX para o seguinte, nomeadamente na área do comércio. Como António Leão Correia e Silva foca em Nos Tempos do Porto Grande do Mindelo (1), “[Uma] comunidade de comerciantes estrangeiros que chega a ter aqui algum peso é a italiana. Estimulados pelo mercado criado pelos numerosos passageiros desta nacionalidade que escalam o Mindelo a caminho de Buenos Aires, Montevideu e Santos, instalam-se na cidade mercadores transalpinos, abrindo bazares, lojas de ‘souvenires’, bares e restaurantes. Pietro Polese, Cavassa Giuseppe, Massoca Mattili, Bonucci Gaetarez (2), Frusoni são alguns dos importantes comerciantes italianos da praça do Mindelo (…) De tal modo forte foi a presença das companhias italianas no Porto Grande que animou um cidadão transalpino Giobatta Morazzo a fundar aqui um estaleiro de reparação naval na praia da Matiota (…).” A estes, juntamos nós outros, como por exemplo Giuseppe Frusoni (entre outras actividades, comerciante de coral e editor de postais ilustrados) ou Pietro Bonucci, tio materno do poeta Sérgio Frusoni (3), dono (ou sócio) da loja Bazar Central (4) e proprietário da Central Eléctrica do Mindelo ou também Pietrino Mastrodomenico di Giuseppe, natural de Castelnuovo di Conza, província de Salerno, que na Praia exportava e importava produtos entre a Europa e África. Não seria no entanto esta afinal pequena colónia de italianos a ditar a chegada da Italcable ao arquipélago, mas sim as muito maiores que se haviam estabelecido na Argentina e Brasil, para não falar da que prosperava nos Estados Unidos da América.

As instalações da Italcable na Matiota
A empresa fora fundada em 1921, pelo engenheiro electrotécnico Givanni Carosio (1876-1959), com participação financeira de italianos residentes na Argentina. Mas só em 1941 passa a designar-se por Italcable, após a fusão da Compagnia Italiana dei Cavi Telegrafici Sottomarini com a Società Italo Radio. E foi logo de início que decidiu alargar-se a Portugal. Em Abril de 1921 começaram negociações para a instalação de um cabo entre Itália e a América do Sul mas só em Novembro de 1923 um representante da Italcable foi a Lisboa pedir a autorização da passagem do cabo submarino por Cabo Verde. As autoridades portuguesas manifestaram a sua disponibilidade, desde que a estação cabo-verdiana tivesse pessoal português e que ao Governo da colónia fosse atribuída uma compensação de 5000 libras (liras?), destinadas a melhoramentos no Porto Grande (5).


E assim aconteceu, com fixação do cabo na zona da Matiota (6). Os 1783 km de cabo que ligaram Las Palmas a São Vicente foram fabricados pela empresa Pirelli e estendidos pelo navio Citá di Milano. Coube à Siemens fabricar os 2802 que uniram São Vicente a Fernando de Noronha. Contudo, só em 11 de Março de 1953 o Mindelo se ligou ao Recife, com a participação técnica do barco inglês Monarch (7). Ao longo do tempo, conforme o desenrolar de diversas circunstâncias, sucederam-se reformulações dos acordos entre as autoridades italianas e lusas e a empresa. Uma delas vem referida no Decreto-lei n.º 24.061, de 23 de Junho de 1934. Emanado da Direcção dos Serviços de Exploração Eléctrica do Ministério das Obras Públicas e Comunicações dirigido pelo Eng. Duarte Pacheco, pretendia alterar os contratos celebrados com as companhias Western Union Telegraph, Deutsche Atlantische Gesellschaft e a Compagnia Italiana dei Cavi Sottomarini, “em virtude da crise mundial que tem feito reduzir o tráfico telegráfico”. Com a Italcable, alterava-se o contrato celebrado a 7 de Julho de 1926. Assim, ficavam “autorizados os Ministérios das Obras Públicas e Comunicações e das Colónias a celebrar com a (…) Italcable um acordo alterando as taxas telegráficas de trânsito em S. Vicente de Cabo Verde, conforme o anexo respectivo junto a este decreto.” Nesse anexo, entre outras considerações favoráveis a Portugal que deveriam começar a vigorar no 1 de Julho seguinte, uma era bem eloquente: “A Companhia não poderá desamarrar qualquer cabo ou suspender os serviços de tráfego respectivos sem prévia autorização do Governo, sob pena de multa de 100.000$ a 500.00$.”…

A 21 de Maio de 1937 a Italcable solicitou a revisão do contrato de 7 de Julho de 1926 com o Governo português, “no sentido de ser dispensada do compromisso tomado para estabelecer cabos submarinos ligando directamente a ilha açoriana do Faial com S. Vicente e o Faial com Anzio (Itália), alegando que a sua rede de cabos com centro em Málaga garantia as necessidades de tráfego, em crise desde 1930. Essas conversações só foram concluídas em Outubro de 1938, tendo Portugal reconhecido que era suficiente a rede de cabos submarinos existente. Disso resultou que o novo acordo permitiu a redução das tarifas a pagar pelo público (8). Curiosamente, em 19 de Outubro de 1935, a Gazzetta Ufficiale del Regno d’Italia (9), em decreto assinado pelo ministro das Comunicações Benni e pelo das Finanças Di Revel, dava a companhia como estando autorizada a lançar e a operar um cabo entre o Faial e S. Vicente e outro entre o Faial e a Itália e mais cabos que julgasse necessários para o desempenho do seu negócio. Durante a II Guerra Mundial, todos os cabos submarinos foram cortados ou interrompidos ao norte do Equador e, portanto, a Italcable viu a actividade muito reduzida. Só no termo do conflito pôde reconstruir a sua rede de cabos transoceânica. Pelo meio, houvera despedimentos em S. Vicente, como o do escritor Manuel Lopes.

Cabo Verde, na rota do cabo submarino
Mais alguma documentação sobre a Italcable e a sua relação com Cabo Verde poderíamos referir aqui, mas como o espaço é parco, limitamo-nos ao mais crucial, a Portaria n.º 606/70 da Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar (10). Ali se dizia que por o Governo argentino ter encerrado as actividades da companhia no seu território, esta era forçada a fazê-lo por sua vez no Brasil e em S. Vicente, por a exploração do cabo se ter tornado economicamente inviável, encerrando em Cabo Verde devido não só à “carência de tráfego naquele referido cabo, como ainda por o mesmo se poder considerar superado”. Oficialmente, a 30 de Setembro de 1970, antes do final do contrato que se previa terminar em Abril de 1974, fechava-se um capítulo importante das comunicações em Cabo Verde (11). Também nesta área, os tempos estavam a mudar…

Notas:

[1] Ed. Centro Cultural Português, Praia-Mindelo, 1998.
[2] Segundo Fernando Frusoni, filho do poeta Sérgio Frusoni, o nome deverá ser Gaetano.
[3] Sérgio Frusoni trabalhou na Italcable, bem como o escritor Manuel Lopes e o pai do músico Manuel Tomás da Cruz, “Lela Violão”, entre muitos outros cabo-verdianos.
[4] Depois, Drogaria do Leão.
[5] A este propósito, ver dois trabalhos onde o assunto se encontra bem documentado: o paper de SILVA, Ana Paula (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa) – Portugal, Europe and Africa: a history of telegraphic networks apresentado ao encontro “Jogos de Identidade – Os engenheiros, a formação e a acção”, 8-11.Outubro.2003, Évora, Portugal (25 pp.) e a tese de GOMES, Adildo Soares – Cabo Verde e a Segunda Guerra Mundial: a importância geoestratégica do arquipélago na política externa portuguesa (1939-1945), dissertação de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais, Março 2011, apresentada ao Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (135 pp.)
[6] Simpaticamente, Fernando Frusoni registou para nós algumas memórias dessas instalações: “A Italcable ficava na colina por cima da Lajinha e da fábrica de gelo. Dentro da Italcable havia o escritório do chefe e a sua moradia. Penso que as de outros empregados italianos também ficavam aí. No local moravam pelo menos duas famílias: uma, a do Ugo Olivieri que casou com a Helena Pereira e outra a do António de Falco que casou com a Amélia Ferrão. Tanto o Ugo como a Amélia já faleceram. Também havia uma sala grande onde os funcionários da telegrafia trabalhavam.” Zito Azevedo (que residiu longos anos em S. Vicente) também nos referiu os mesmos dois italianos da Italcable que deixaram saudosa memória no Mindelo.
[7] In http://br.dir.groups.yahoo.com/group/grandesguerras/message/26294
[8] Diário do Governo (Portugal), 6.Outubro.1938.
[9] N.º 245. Nessa altura, como refere o documento, o capital social da Italcable era de 161.700.000 liras.
[10] Diário do Governo (Portugal), 28.Novembro.1970. Joaquim Moreira da Silva Cunha era o ministro do Ultramar.
[11] Em 1994 desparecia a Italcable, por fusão com a Telecom Italia.