sexta-feira, 20 de setembro de 2013

[0567] Adaptações às mudanças climáticas a longo prazo num país insular como Cabo Verde

José Fortes Lopes
O presente texto serviu de base à intervenção de José Fortes Lopes no programa radiofónico "Espaço Público" na Rádio Nacional de Cabo Verde, em 14.9.2013. No mesmo, debateram-se as adaptações às mudanças climáticas a longo prazo, num país insular como Cabo Verde.  Este é o primeiro de três textos que o Pd'B publicará sobre o tema, a saber: 

1.ª parte: Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas (a de hoje).

2.ª parte: Mudança nos Ecossistemas Terrestres - Eventos Extremos (Cabo Verde na rota dos eventos extremos?).

3.ª parte: Ensaio com considerações de ordem ambiental e política sobre Cabo Verde.


Introdução

Um dos aspectos mais curiosos nas tendências do Clima actual prende-se com o aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos e inesperados, tais como mudanças no regime de chuvas (resultando em enchentes e secas), alterações na frequência ou na intensidade de ciclones tropicais e outros eventos meteorológicos extremos. A análise rigorosa da variabilidade natural do clima mostra que ela sozinha não explica as tendências de longo termo observadas na temperatura e precipitação no planeta. Estes eventos extremos não têm uma única causa, mas os factores humanos podem contar muito pois o homem está cada vez mais a influenciar o clima. Existem várias suspeitas de que o aumento da ocorrência de eventos extremos esteja correlacionado com as Mudanças Climáticas. Eventos climáticos extremos têm ocorrido com muita frequência nos últimos anos em várias partes do globo, incluindo Cabo Verde. O aumento nas temperaturas globais desencadeia várias alterações nos sistemas climáticos terrestres, sendo potencialmente devastador para países insulares e costeiros devido à sua exposição mais importante. O objectivo deste trabalho consiste em dar uma perspectiva actual da problemática climática. Este trabalho intitulado “Mudanças Climáticas: Mudanças no Ecossistemas Terrestres e Aquáticos, Eventos Extremos e a Problemática Ambiental em Cabo Verde”, está dividido em três partes. A primeira parte debruça-se sobre Causas e Efeitos das Mudanças Climática. A segunda parte sobre Mudanças nos Ecossistemas Terrestres − Eventos Extremos, e a terceira parte termina em forma de ensaio com considerações de ordem ambiental e política sobre Cabo Verde.

1.ª Parte - Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas

O aquecimento global é um processo que resulta no aumento da temperatura média da atmosfera e dos oceanos e que segundo observações vem ocorrendo desde meados do século XIX, provocado essencialmente pelas emissões de origem antropogénicas (humanas, ou seja não naturais, em contraponto à emissão natural) de gases, dito de estufa, sendo um dos principais o CO2 (dióxido de carbono), o metano e o óxido nitroso.

O efeito de estufa (similar à estufa de vidro transparente que deixa passar a luz mas retém o calor) consiste na retenção da radiação térmica na atmosfera, inibindo a dissipação do calor terrestre para o espaço, o que provoca um aumento da temperatura média da atmosfera.

Aponta-se como principais responsáveis pelas emissões de CO2 a queima de combustíveis fósseis e a desflorestação, que provocam a libertação de forma quase instantânea para a atmosfera de enormes quantidades deste gás. Recorde-se que grande parte do CO2 presente na atmosfera está naturalmente armazenado nas plantas e nos combustíveis fósseis desde há milhões de anos, dissolvido nos oceanos, presente nas formações rochosas e mesmo na forma de conchas e carapaças de diferentes animais.

Não convém confundir a questão do CO2 com aumento da concentração de aerossóis atmosféricos que reflectem/difundem para fora da atmosfera terrestre a radiação solar incidente no topo da atmosfera, e que tem um efeito contrário ao efeito de estufa (tende a provocar um certo resfriamento da atmosfera), podendo em situações em que a sua concentração torna-se extremamente elevada mascarar parcialmente os efeitos do aquecimento induzido pelos gases de estufa. Por exemplo, no caso da erupção do vulcão de Krakatoa na ilha de Java (Indonésia) em 1989 provocou um brusco arrefecimento do planeta devido à libertação para a estratosfera de grandes de quantidades de cinzas, o que correspondeu ao acréscimo brusco da concentração de aerossóis na atmosfera terrestre. Tão pouco a camada de Ozono é para aqui chamada quando se fala de Aquecimento Global.

Embora exista alguma controvérsia sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, havendo mesmo pressões políticas e económicas, muitas vezes associadas a lobbies industrias, para se negar ou minimizar as actuais evidências científicas, existe um consenso científico de que o aquecimento global está a acontecer inequivocamente, pelo que são precisas medidas urgentes para reverter o processo, pois os riscos da inacção podem ser incalculáveis. Todos os cenários climáticos fornecidos pelos modelos climáticos computacionais apontam para um aquecimento global do planeta. Um modelo climático é uma representação matemática de cinco componentes do sistema climático: atmosfera, hidrosfera, criosfera, superfície continental e biosfera. Estes modelos baseiam-se em princípios físicos e tentam realisticamente reproduzir o clima passado e prever o clima futuro. Podem incluir componentes que representam o movimento do ar, sua temperatura, nuvens, e outras propriedades atmosféricas; temperatura oceânica, salinidade, e circulação; cobertura de gelo continental e oceânica; a transferência de calor e humidade do solo e vegetação para a atmosfera; processos químicos e biológicos; entre outros. Apesar do facto de os modelos actuais serem cada vez mais sofisticados (com feedbacks, retroacções) para representar o clima e os seus processos básicos, um modelo é sempre uma simplificação inevitável do real, cada modelo tem a sua sensibilidade climática e precisão, havendo assim limitações na reprodução do real, mas também devido ao facto de a capacidade de processamento e disponibilidade de dados não ser inesgotável. Resultados de diferentes modelos climáticos podem dar resultados de diferentes projecções do clima futuro. É sabido que a temperatura na superfície terrestre aumentou em média 0,76°C entre 1850 e 2005. Vários estudos publicados após o último relatório do IPCC mostram que as causas e efeitos das mudanças climáticas estão a agravar-se bem mais rápido do que o IPCC previu e que as suas projecções foram conservadoras, e que os piores cenários estimados ficam cada vez mais perto de se concretizarem. Modelos climáticos projetam aumentos da temperatura global da atmosfera entre 1,1 a 5°C até ao ano 2100, mas os efeitos continuarão e ampliar-se-ão mesmo se o efeito de estufa não for mitigado, e mesmo que as concentrações de gases estufa se estabilizem nos níveis atuais muitos processos climáticos já foram desencadeadas e são de difícil controlo. Tendo em conta o facto de que as emissões de CO2 continuam a crescer e chegaram a níveis recordes em 2013, ultrapassando a concentração atmosférica de 400 ppm, os mesmos modelos projectam para o horizonte de 2100 um aquecimento médio de 4 a 6°C. Se considerarmos ainda que a população humana deverá chegar a 9 mil milhões de pessoas por volta de 2050, fazendo aumentar dramaticamente a pressão sobre os recursos naturais, os piores cenários podem ocorrer, face à ineficácia do combate ao aquecimento da parte da comunidade internacional.

O aquecimento da superfície favorecerá um aumento da evaporação dos oceanos, o que fará com que a atmosfera seja mais saturada de vapor d'água, aumentando cada vez mais o efeito de estufa, porque o vapor d'água é o gás estufa mais importante, sobretudo porque ele existe naturalmente em grande quantidade na nossa atmosfera. O problema é que a perturbação do clima de origem humana é amplificada pelas respostas naturais do próprio sistema, e esta perturbação inicial tem tendência a se auto-reforçar, realizando aquilo que se chama realimentação positiva. Por outro lado, os oceanos absorvem cerca de 90% do calor gerado pelo efeito estufa e ao se aquecerem expandem-se ocupando maior volume. O aquecimento global provoca, portanto, a subida dos mares principalmente por causa da expansão térmica das águas, que passam assim a ocupar maior volume. As primeiras estimativas para a expansão térmica mostravam que ela poderia contribuir em média em 0,4 (±0,1) mm de elevação anual (1961 a 2003). Todavia, cenários mais actualizados do IPCC para 2000 a 2020 duplicam este valor para 0,7 (±0,1) mm e que para o período 2020 a 2080 passe para 1,9 (±1,0) mm 1,9 (±1,0) mm ou 2,9 (±1,4) mm ou mesmo 3,8 (±1,3) mm.

Por outro lado, um aumento de temperatura do planeta correspondente ao pior cenário possível (4-5ºC) seria tanto mais catastrófico pois implicaria o desaparecimento de grande parte da camada ou calotes de gelo (polar e marinho), dos glaciares e icebergs assim como do permafrost, nome dado aos solos árticos permanentemente congelados, cobrindo cerca quinto da massa da terra, e que contem uma enorme reserva de carbono orgânico sob forma de metano armazenado durante milhões de anos. Em relação a este último ponto, um estudo realizado pela Universidade de Alaska Fairbanks (EUA), afirma que a brusca libertação deste gás, seria mais uma dor de cabeça a acrescentar ao complexo problema do Aquecimento Global.

Neste cenário pessimista estaríamos a falar de uma projecção futura de um aumento do nível das águas da ordem do metro ou vários metros. Segundo um relatório recente do IPCC (Painel Internacional para as Mudanças Climática), o nível médio da superfície do mar tem aumentado de 1,8 (±0,5) milímetros, que entre 1993 e 2003 o ritmo foi acentuando para 3,1 (±0,7) mm. Num cenário conservador, estimativas preveem um aumento do nível das águas até 59 cm, mas projeções mais atualizadas dão valores catastróficos oscilando entre os 80 e os 200 cm aproximadamente. No que concerne a Cabo Verde, um estudo preliminar levado a cabo na Universidade de Aveiro no quadro do projecto KSIDS (ver Nota), considerando simulações de clima futuro e para um cenário mediamente conservador, projectaram para Cabo Verde variações do nível do mar compreendidas entre 50 e 60 cm. Estes são os números do panorama climático futuro do planeta em cima da mesa dos decisores políticos planetários, nomeadamente os países mais ricos e industrializados, sobre cujas consequências irei debruçar-me nos próximos números.

José Fortes Lopes
(Professor no Grupo de Meteorologia, Climatologia e Oceanografia Física
Centro de Estudo do Ambiente e do Mar - Universidade de Aveiro)

Bibliografia Recomendada:

01 - Bindoff, N.L., J. Willebrand, V. Artale, A, Cazenave, J. Gregory, S. Gulev, K. Hanawa, C. Le Quéré, S. Levitus, Y. Nojiri, C.K. Shum, L.D. Talley and A. Unnikrishnan. "Observations: Oceanic Climate Change and Sea Level." In: Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Solomon, S., D. Qin, M. Manning, Z. Chen, M. Marquis, K.B. Averyt, M. Tignor and H.L. Miller (eds.)] (Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA: Cambridge University Press, 2007).
02 - Church, John A. and Neil J. White. "A 20th century acceleration in global sea-level rise." Geophysical Research Letters 33 (2006): 4pp.
03 - Church, J., S. Wilson, P. Woodworth, T. Aarup. "Understanding Sea Level Rise and Variability." Eos 88, No. 4 (2007): 43–44.
04 - IPCC. "Summary for Policymakers." In: Climate Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. M.L. Parry, O.F. Canziani, J.P. Palutikof, P.J. van der Linden and C.E. Hanson, Eds. (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2007): 7–22.
05 - NASA Earth Observatory. "Regional Patterns of Sea Level Change 1993-2007,"
06 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Aquecimento_global
07 - http://www.theguardian.com/environment/earth-insight/2013/aug/05/7-facts-need-to-know-arctic-methane-time-bomb.
08 - http://www.ecodebate.com.br/2008/08/27/as-mudancas-climaticas-podem-liberar-enormes-estoques-de-gases-estufa-dos-solos-articos/
09 - http://en.wikipedia.org/wiki/Arctic_methane_release

Nota: O projecto KSIDS (2010-2013) foi financiado pelo IDRC - Centro Internacional de Investigação para o Desenvolvimento do Canadá e DFID - Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (Programa CCAA - Adaptação às Alterações Climáticas em África). Envolveu o IDMEC - Instituto de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico de Lisboa, o CESAM - Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, e a participação de duas ONGs: Sol & Vento de Cabo Verde e MARAPA de São Tomé e Príncipe. O projecto teve como principal objectivo contribuir para a integração das questões relacionadas com a Adaptação às Alterações Climáticas no planeamento urbano a longo prazo, nos processos de tomada de decisão a nível urbano, no desenho urbano e no estilo de vida de duas comunidades urbanas Lusófonas de Pequenas Ilhas em Desenvolvimento (a Cidade do Mindelo em Cabo Verde e a Cidade de São Tomé em São Tomé e Príncipe). A ideia básica foi envolver a comunidade científica dos dois países insulares lusófonos as autarquias assim como a sociedade civil numa discussão aberta sobre as questões das mudanças climáticas globais e os seus impactos nestes arquipélagos assim como medidas mitigadoras. O projecto pretendia adoptar uma abordagem participativa e constituir uma plataforma para a partilha de conhecimentos sobre o impacto das Alterações Climáticas em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e sobre o papel que todos nós temos na Adaptação, Prevenção e Reacção face aos efeitos, por vezes catastróficos, das áleas do clima.

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