quinta-feira, 29 de maio de 2014

[0899] Postais ingleses de São Vicente - Uli Matiota de diazá, uli aquel praia sabim!




[0898] E de novo antes da continuação da apresentação dos postais ingleses... Paraguai (ou Paraguay) e Cabo Verde lá incrustado!...

Acerca da propriedade de Cabo Verde no Paraguai/Paraguay, de que falámos no post 624, recebemos agora uma nota do nosso amigo João Manuel Nobre de Oliveira, à qual damos o realce merecido.

Só agora reparo nisso. A família Pinto em causa é bem conhecida. É a família da minha mulher. Os irmãos Adriano Betettencourt Pinto, Jorge B. P. e Ulisses B. P. é que, nos finais dos anos oitenta, avançaram com o projecto e tinham como sócio o estado cabo-verdiano mas este depressa desistiu e vendeu os terrenos que adquirira no Paraguay, terrenos virgens perto da fronteira do Brasil onde ninguém ía (ainda hoje não sei de ninguém mais das ilhas a ir viver para lá). Daí que não houvesse mais interessados na compra. Depois os meus cunhados continuaram sozinhos com o projecto, desbravaram o terreno e agora, quase trinta anos depois, de muita luta e trabalho, começam a ver o fruto do seu empenho. Que agora apareçam outros a querer tirar proveitos, - embora só para efeito de propaganda política, - do trabalho alheio já é história antiga. Os méritos são dos irmãos Bettencourt Pinto mas enquanto cunhado, sou suspeito, claro.

João Nobre de Oliveira

quarta-feira, 28 de maio de 2014

[0897] Antes de continuarmos com os postais à inglesa... (ver post anterior)


[0896] Saint Vincent of Cape Verde, by postcard, oh yes!...

Trata-se de um álbum de 12 postais ilustrados, em edição inglesa, com vistas de São Vicente (talvez do fotógrafo Auty Ltd., de Tynemouth, de que há postais documentados relacionados com a ilha). Não os tem todos já, arrancados pelo picotado quatro deles e enviados para alguma parte do mundo. Aqui serão agora reproduzidos os restantes, hoje o álbum ele próprio e o primeiro postalinho "General view of Saint Vincent". Como o Pd'B vai entrar em mais um dos seus períodos sabáticos (com pouca disponibilidade para colocar posts e necessários comentários), estes postais vêm mesmo a calhar... Ah!, Já nos íamos esquecendo: o álbum esteve à venda na internet por 45 euros...



terça-feira, 27 de maio de 2014

[0895] Na sequência de um post no blogue parceiro "Arrozcatum" e de uma pergunta de um dos comentadores...Palácio e Mercado Municipal (Plurim d'virdura)

Digamos que o nosso amigo Zito está bem tramado. Agora não pode desculpar-se com a stóra dos foguetes... Queremos que ele fale!!! Queremos que ele fale!!!

Palácio do Governo (ou do Governador, hoje Palácio do Povo), projecto de cerca de 1858, construção para a qual houve expropriação de terrenos bem como para a nova alfândega e o quartel militar (depois Liceu Gil Eanes / Escola Preparatória Jorge Barbosa / Unicv e em breve ruínas destes todos..., sucedendo-lhe talvez um espaço para skateboard).

A foto que serviu para fazer este postal é anterior a 1934. Nesse ano (ou nos seguintes próximos) o palácio passou a ter a configuração que tem hoje. Quanto ao Mercado Municipal (Plurim d'virdura) ainda não tinha no postal a configuração que passou a ter por volta de 1949. Nem se lhe vislumbra porta. Teria o ilustrador/pintor pintado em demasia?


[0894] Outra notícia animadora para a música de Cabo Verde, no seguimento do anterior post

Ainda com a ajuda da Orquestra Clássica do Centro (Coimbra, Portugal), criação e acolhimento do  Centro de Transcrição Musical de Cabo Verde. Veja também o post anterior.

Ver AQUI a notícia da criação do CTMCV

[0893] Grande e animadora notícia... musical!

Orquestra Nacional de Cabo Verde em formação, com uma ajudinha da Orquestra Clássica do Centro (Coimbra, Portugal). Era coisa que faltava, é coisa que se está a concretizar. Na altura em que se pretende elevar a morna a Património Mundial da UNESCO, uma orquestra nacional poderá ser mais um elemento favorável a esse desiderato, para além de todas as potencialidades que a mesma poderá trazer à representação de Cabo Verde no mundo. Ver AQUI

[0892] Sem palavras (ou quase)

"Peasant women" (esqueceram-se do kid e do boy), início do século XX, Monte Verde em fundo.

domingo, 25 de maio de 2014

[0891] Encerramos o dia de África aqui no Praia de Bote, com Mindelo (e alguma verdura)

Foto José Carlos Marques


[890] Dia de África no Pd'B com Bau - Morena (Café Musique / Inspiração) - VER QUATRO POSTS ANTERIORES

[0889] Dia de Africa, comemorado no Praia de Bote: Mzansi Youth Choir da África do Sul - VER TRÊS POSTS ANTERIORES

[0888] No dia de África, do compositor cabo-verdiano Vasco Martins, "L'africaine" - VER DOIS POSTS ANTERIORES

[0887] No dia de África, Jorge PEIXINHO: "Elegy for Amilcar Cabral" (1978) - 2nd version - VER POST ANTERIOR, COM MAIS EXPLICAÇÕES SOBRE JORGE PEIXINHO E AS DUAS VERSÕES DA PEÇA

[0886] No dia de África, uma peça do compoistor português Jorge PEIXINHO: "Elegy for Amilcar Cabral" (1978) - 1st version

Jorge Peixinho foi um dos mais conceituados compositores e intérpretes portugueses de música electrónica. Este é um tipo musical assaz "difícil" e decididamente amado apenas por pequenas audiências. Jorge Peixinho (Montijo, 20.Janeiro.1940 - Lisboa, 30.Junho.1995) (ver AQUI) escreveu em 1998 a composição electroacústica "Elegy for Amílcar Cabral", cuja primeira versão aqui hoje oferecemos aos nossos visitantes, neste dia de África. No post seguinte, divulgaremos a segunda versão. Repare-se no dramático e simbólico corte final dessa que nesta primeira não é tão óbvio.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

[0885] Na continuação do post 878, as relações e o gosto de Jorge Barbosa com o (e pelo) Brasil







Crónica de Março.2014

CONTRIBUTOS PARA O ESTUDO DAS RELAÇÕES CULTURAIS ENTRE CABO VERDE E O BRASIL (2/2)

O gosto de Jorge Barbosa pela cultura brasileira

Jorge Barbosa
Quando em 15 de Junho de 2013 mostrámos em público no Fórum Municipal Romeu Correia, Almada, em sessão de homenagem a Jorge Barbosa (1), alguma documentação inédita alusiva ao poeta, estavam entre ela dois exemplares curiosos: o livro de poesia do brasileiro Jorge de Lima (2)  A Túnica Inconsutil (1938), cuja dedicatória "A Jorge Barbosa com o apreço e admiração de Jorge de Lima", com indicação do seu endereço (3), mostra conhecimento mútuo e suposta troca de correspondência (4) e a reprodução do envelope de uma carta que o autor enviou do Sal ao colega de letras brasileiro Manuel Bandeira (5), em 1948. Mais provas há deste interesse de Barbosa pela cultura do país irmão que aliás era de certo modo correspondido do outro lado do Atlântico, como podemos deduzir através deste poema de Ribeiro Couto (6): "Jorge Barbosa, / Em Cabo Verde te imagino / Olhando o céu – triste menino da ilha do Sal / Ah! horizontes do destino! / Ah! solidão da água amargosa, / Nascer poeta é sempre um mal / Seja onde for – Jorge Barbosa! / Águas e Céu é tudo estreito, / Jorge Barbosa: / Cada um de nós leva no peito / A Ilha do Sal."

Quanto a Barbosa, são conhecidos vários exemplos poéticos desta paixão pelo país sul-americano, desde logo "Carnaval do Rio de Janeiro" (1950), onde fala de Linda (Linda Batista), Dircinha (irmã mais nova de Linda) e Emilinha (Emilinha Borba), todas rainhas da rádio brasileira por longos anos e de Oscarito, actor que Barbosa terá eventualmente visto no filme Aviso aos Navegantes nesse mesmo ano de 1950 em que foi realizado e os mindelenses reviram vezes sem conta nos meados dos 60, no Park Mira Mar de Tuta Melo em altura de defeso de outros filmes que demoravam a chegar à terra. Para além disso, remata o poema com quatro versos significativos: "E o verso de Manuel Bandeira / ecoando cá dentro / deste folião que eu já fui: /- Evoé Momo!" 

Três outros poemas de Caderno de um ilhéu (1956), "Carta para Manuel Bandeira", "Carta para o Brasil" (este ao cuidado de Gilberto Freyre) e "Você Brasil" (para o poeta Ribeiro Couto) são a confirmação cabal desse namoro cabo-verdiano-brasileiro. Os dois últimos, cheios de energia, são no entanto imensamente tristes, na certeza que Barbosa tinha de jamais poder atravessar o longo oceano que separava as suas ilhas da sul-américa. Em "Carta para o Brasil", diz: "Estou a ver-me entrando no Guanabara / para essa visita finalmente / que eu tenho há muito tempo / guardada no meu desejo! / Não sei quando será. / Algum dia, meu Amigo, / algum dia." (…). E nesse fabuloso "Você Brasil" o remate, depois de enumerar as parecenças entre os dois territórios e de confessar ao Brasil "Eu desejava fazer-lhe uma vista", é: "Mas tudo isso são cousas impossíveis – Você sabe? – Impossíveis".

Apesar destes sinais óbvios da admiração barbosiana pela cultura do lado de lá do Atlântico, procurámos em jornais brasileiros outras confirmações, o que acabou por acontecer. A mais antiga referência conhecida está no Dom Casmurro (Rio), de 26 de Agosto de 1939. Sob o título "Livros e revistas do Brasil em Cabo Verde", o texto alude às reportagens de Arnon de Melo, jornalista brasileiro que acompanhou nesse Verão a viagem do Presidente português Óscar Carmona a África. Ali se escreve, a dado passo: "Queremos falar é do trecho da crónica em que Arnon de Carvalho diz da admiração dos filhos de Cabo Verde por uma gente brasileira bem menos importante que os jogadores de football: os intelectuais. A moderna literatura brasileira é conhecida e amada em Cabo Verde. O poeta Jorge Barbosa – poeta de rara sensibilidade cujas melhores produções Dom Casmurro pretende divulgar em breve no Brasil através de uma página de poesia – tem mesmo esta frase que Arnon transcreve: 'A bem dizer, só lemos aqui livros brasileiros'. E cita os autores mais divulgados: Jorge de Lima, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Amando Fontes, José Lins do Rego, Ronaldo de Carvalho. Diz também da admiração que existe pelas obras de Nina Rodrigues, Gilberto Freyre e Arthur Ramos. (…) E apontando o livreiro da terra [Praia], que se aproxima, diz ao jornalista brasileiro: 'É o dono da nossa livraria. Ele sabe que o senhor está aqui e quer falar-lhe. Não sabe a dificuldade que temos em receber livros brasileiros. Se pedimos de livrarias de lá não nos mandam.' (…) Continuando a falar da dificuldade da venda dos livros brasileiros em Cabo Verde, Arnon de Melo informa que os cabo-verdianos resolveram o problema pelo sistema de empréstimo. E [faz] referência aos escritores brasileiros mais populares em Cabo Verde. 'De todos os escritores brasileiros notei que Jorge Amado é o preferido. Os seus romances em que o mar e o preto entram de maneira tão viva penetram mais a sensibilidade de Cabo Verde'. Cita logo a seguir os livros de José Lins do Rego. E mais [adiante] vai achar na biblioteca de um advogado Júlio Monteiro Júnior a Casa Grande e Senzala onde, no dizer do próprio advogado, são encontrados inúmeros trechos que se ajustam perfeitamente a Cabo Verde. E é ainda Jorge Barbosa quem declara ao jornalista brasileiro que existe uma infinidade de termos empregados na literatura brasileira que são comuns no dialecto cabo-verdiano. O interesse pela literatura brasileira vai em Cabo Verde ao extremo de esses leitores tomarem partido nas coisas daqui. Assim, o poeta Jorge Barbosa é pelos escritores do Norte (nesta briga inventada e tola que deu margem a tanta exploração cretina): 'Gostei da réplica dos escritores do Norte do Brasil aos do Sul. Os nortistas têm realmente muito talento e imaginação.'"

Este texto iria ser reproduzido com pequenas alterações em 12 de Julho de 1964 no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, em longo artigo de João Alves das Neves "Os escritores cabo-verdianos e o Brasil", com referências a Baltasar Lopes, Teixeira de Sousa, António Aurélio Gonçalves e outros. Seria longo comentar aqui esse artigo mas reproduzimos a sua parte final, significativa do pensamento da elite intelectual das ilhas da altura: "A maioria defende aliás a autonomia da literatura cabo-verdiana, proclamando alguns escritores que ela não se integra na chamada 'literatura da negritude', pois em Cabo Verde se tem procurado realizar única e exclusivamente 'cabo-verdianidade', ainda que reconhecendo as influências que podem ter vindo da África, de Portugal ou do Brasil."

Quanto a Jorge Barbosa, se mais sinais não existissem do seu gosto brasileiro, o início do poema "Viagens" seria suficiente para o atestar: "Lembro as viagens que fazia nos paquetes da Blue Star / quando escalavam o porto da ilha de S. Vicente. / Eram viagens que não passavam nunca do cais / mas punham um alvoroço bem grande no meu coração. / Ora seguia rumo à Europa, / Hamburgo, Paris, Londres… / Ora para Cuba, México, Argentina… / Mas para o Rio de Janeiro é que ia sempre de preferência (…)". Esse gosto foi assaz retribuído por colegas brasileiros, como vimos, mas também a nível académico, quando foi convidado pela Universidade da Baía, para participar no Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros que se realizou em São Salvador, em 1959 (7) no qual participaram Agostinho da Silva, auto-exilado no Brasil, em fuga ao regime salazarista e Eduardo Lourenço, entre outros oposicionistas, mas também Marcelo Caetano...

Notas:

[1] A homenagem foi levada a cabo pelos admiradores portugueses Joaquim Saial e Fernando Fitas, pela Associação Cabo-Verdiana de Lisboa (representada por José Luís Hopffer Almada), pela Câmara Municipal de Almada e pela Embaixada de Cabo Verde. Nela avultaram a colocação de uma placa comemorativa no prédio onde Barbosa faleceu (Cova da Piedade) e uma sessão em que intervieram vários conhecedores e estudiosos da sua obra.
[2] Jorge de Lima (União dos Palmares, 1893 – Rio de Janeiro, 1953), médico de interesses culturais multifacetados, dedicou-se a várias áreas: política, pintura, ensaio, tradução, poesia e romance, entre outras.
[3] Rua Floriano, 55 – 11.º andar, Rio de Janeiro.
[4] O livro é actualmente propriedade do autor destas linhas, por gentil oferta de familiar do poeta. A dedicatória é datada de 20 de Setembro de 1938. Sinal da estima em que Jorge Barbosa teve essa oferta é visível no Diário de Notícias do Rio de Janeiro de 12.06.1964, em artigo de João Alves das Neves, "Os escritores Cabo-Verdianos e o Brasil" de que se falará adiante: "Conhecemos Jorge de Lima que, aliás, me ofereceu, com amável dedicatória, o seu Túnica Inconsútil" (palavras de Jorge Barbosa).
[5] Manuel Bandeira (Recife, 1886 - Rio de Janeiro, 1968), poeta dos mais conceituados do modernismo brasileiro, também se dedicou à crítica literária e de arte, à tradução e ao ensino da literatura. O endereço indicado é: Avenida Beira Mar, 406, apartamento 409, Rio de Janeiro.
[6] Ribeiro Couto (Santos, 1898 - Paris, 1963), jornalista, magistrado e diplomata, cultivou a poesia, o conto e o romance.
[7] Diário de Notícias de New Bedford, 01.12.1958.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

[0884] Sem palavras


[0883] E por "isso" falou-se de Cabo Verde e do crioulo - VER POSTS ANTERIORES PRÓXIMOS



[0882] Os Ingleses (e alguns cabo-verdianos) da Western Telegraph Company de São Vicente

Valdemar Pereira
Há dias falámos aqui de pessoas que uns conhecem e outros não. Sabia que algures tinha fotos com as ditas mas na altura não me foi possível ir à sua procura.  Falávamos do Telegraph e eu disse que chegou a haver na Western Telegraph Company de São Vicente umas 150 pessoas (entre funcionários e familiares).

Aqui seguem, então, algumas fotos alusivas ao tema, da autoria de José Vitória, incluindo uma em que o próprio surge.

Esta foto mostra os funcionários que ainda havia em 1940. Lembro-me do Sr. Meats. Sentado, ao centro, em posição de destaque o cônsul captain Sands.

Aqui, miss Allerton, a da estorinha de Londres.

E nesta última, de 1936, feita na propriedade do Matos no Calhau, José Vitória, meu pai, Carlos Fernandes e Pedro Ribeiro. A menina é a Jenny Carvalho

segunda-feira, 19 de maio de 2014

[0879] A 21 de Maio, quarta-feira, no Seixal - Encontro com Joaquim Saial e com o crioulo de Cabo Verde


[0878] Contactos culturais entre Cabo Verde e o Brasil, em mais uma "Crónica do Norte Atlântico"







Crónica de Fevereiro.2014

CONTRIBUTOS PARA O ESTUDO DAS RELAÇÕES CULTURAIS ENTRE CABO VERDE E O BRASIL (1/2)


Pode ler-se no carioca Jornal do Brasil de 18 de Janeiro de 1933 um texto de crítica literária demonstrativo do interesse que as coisas cabo-verdianas já despertavam na altura entre a intelectualidade e a imprensa daquele país latino-americano de expressão portuguesa – no caso, associado ao poeta das ilhas, José Lopes da Silva (1). Daí, a nossa crónica desta feita descer do Atlântico Norte ao Sul, em águas de igual gosto lusófono, sentido por irmãos brasileiros, cabo-verdianos e portugueses. Este é o primeiro de dois textos que escrevemos sobre o tema. O segundo figurará no próximo número deste jornal.


José Lopes da Silva, uma paixão pelo Brasil

José Lopes da Silva, c. 1933
O aludido texto, publicado no Rio de Janeiro pelas oficinas gráficas do Jornal do Brasil nesse mesmo ano, reproduzia o discurso de José Lopes da Silva na Câmara Municipal de São Vicente, escrito por ocasião da passagem pela ilha, a 24 de Maio do ano anterior, do cabo-verdiano Martinho Nobre de Melo, então embaixador de Portugal no Brasil, que se dirigia ao Rio (2). Dizia o autor que se tratava de notável peça de oratória que convinha "ser conhecida de todos e principalmente dos que [sabiam] aquilatar da vernaculidade da língua portuguesa, tal [era] a expressão do tribuno erudito que se [revelava], nesse trabalho, um atleta da linguagem castiça, dos grande lances oratórios e do pensamento fecundo." Prosseguia o texto: "O discurso, que ocupa (2…) (3) páginas do folheto recebido é uma saudação ungida de afecto do venerando professor ao Dr. Martinho Nobre de Melo, seu discípulo na adolescência, aferindo as qualidades de carácter e talento do homenageado em todos os postos da sua vida pública, como as dos mais eminentes patrícios." Mais curiosa, pela inclusão de pedido local, era a referência à esposa do embaixador. Afirmando que pelo nome (Alexandra) ela era "defensora do homem", invocava o orador o seu auxílio em favor da mocidade escolar cabo-verdiana. Terminava o trecho com cumprimentos ao também ali presente antigo senador Augusto Vera-Cruz, então cônsul do Brasil em São Vicente. A representação brasileira no arquipélago iria ser detida pouco depois, como veremos, pelo próprio poeta José Lopes da Silva, por morte do senador Vera-Cruz, a 5 de Dezembro desse ano (4).

A 3 de Novembro, Lopes da Silva surge-nos em A Noite (5), outro jornal do Rio, a propósito do livro "Hesperitanas", saído em Lisboa em edição da Livraria J. Rodrigues (6). Chamavam-lhe ali "notável poeta" diziam-no "festejado nos círculos da elite cultural brasileira" e consideravam-no "uma das mais pujantes cerebrações contemporâneas, sendo as suas obras difundidas em vários continentes". A notícia tem erros de impressão mas percebe-se que ali se fala em referências à mãe-pátria e em "hinos calorosos ao Brasil (7) com entusiasmo marcado em versos de doçura e espontaneidade indizíveis." Martinho Nobre de Melo retribuía agora as palavras produzidas pelo seu mestre no Mindelo, prefaciando as "Hesperitanas". Concluía o texto com a seguinte declaração: "Sua obra é de vulto e bem merece o alto conceito em que é tida no julgamento dos expoentes da literatura nas duas pátrias irmãs. 'Hesperitanas' está fazendo um grande sucesso pois os seus poemas instruem, encantam e deliciam."

José Lopes da Silva, c. 1934
A 29 de Outubro de 1934, ainda em A Noite (8), dava-se a conhecer a nomeação do poeta pela chancelaria brasileira para o cargo de vice-cônsul do país em São Vicente de Cabo Verde. E os elogios à sua figura continuavam: "O festejado homem de letras sempre se revelou grande amigo do Brasil, tendo dedicado ao nosso país diversas das lindas páginas do seu recente livro de poesias – 'Hesperitanas' – que teve larga aceitação entre nós." O jornal revelava ainda um aspecto que pode ter tido alguma influência na escolha do poeta para o cargo diplomático: o facto de seu filho, Francisco Lopes, prestigiado oficial da marinha mercante brasileira ser funcionário da Companhia Comércio e Navegação na qual exercia o cargo de administrador da ilha de Caju (9) e chefe dos serviços marítimos.

Esperaremos até Janeiro de 1938 (10) para vermos o poema "Osmologia" (reflexos do poeta inglês Richard Lovelace (11) ) de José Lopes publicado no Jornal do Brasil. Mas no mês seguinte surge em A Noite a notícia da saída do seu ensaio sobre Getúlio Vargas (12). Ali se reafirmava a ligação do poeta cabo-verdiano ao Brasil: "O autor desse opúsculo, que exerce actualmente o cargo de vice-cônsul sempre se revelou sincero amigo do Brasil ao qual está ligado não só por laços espirituais mas também por liames de família pois tem filhos que são cidadãos brasileiros. José Lopes, que é oficial da Academia Francesa e comendador da Ordem de Instrução de Portugal, não perde uma só oportunidade para elogiar o nosso país, como fez, com brilho, nos versos do seu livro 'Hersperitanas'. Seu novo ensaio, agora editado, vem demonstrar mais uma vez a carinhosa atenção que dispensa a quanto se relacione com a vida e o destino do Brasil."


Francisco Lopes da Silva, uma morte imprevista

Francisco Lopes da Silva, c. 1947
Curiosa e ainda elucidativa do interesse dos Lopes da Silva pelo Brasil é a notícia sobre ambos em mais um exemplar de A Noite, de 20 de Fevereiro de 1941 (13). Ao cabeçalho "Dois poetas de Cabo Verde – 'Recordações", de Francisco Lopes e 'Ombres Immortelles' (14), de José Lopes" sucedem-se algumas dezenas de linhas em que se conta que José Lopes enviara para a redacção do jornal uma plaquette com esse título, contendo vinte sonetos em francês, "demonstração do seu completo domínio na língua de Racine". Sombrios, os poemas aludiam a grandes figuras da história e das artes, como Napoleão, Frederico II, Beethoven, Mozart, Bellini, Goethe, Voltaire, Rousseau e outros. Quanto ao livro do filho Francisco, esse era publicado através das oficinas gráficas do Jornal do Brasil. Chamava-se-lhe "herdeiro do talento paterno, um legítimo e inspirado poeta". No mesmo local se contava que era frequente colaborador de jornais cariocas, como articulista cujos escritos sobretudo incidiam em questões de transportes marítimos. Era esta a sua estreia como poeta e a mesma considerada auspiciosa pela crítica que referia haver no livro "excelentes trabalhos que lhe asseguravam uma unidade perfeita". Terá sido no entanto obra única, pois Francisco José Lopes da Silva, português de origem cabo-verdiana mas naturalizado brasileiro, suicidar-se-ia pouco depois (15). Por motivos de intrigas na sua actividade profissional consubstanciadas em invejas de superiores e companheiros, pôs fim à vida na ilha de Caju com um tiro na cabeça. Deixou viúva, quatro filhos… e três cartas de despedida: ao Secretário de Segurança Pública do Estado, ao almoxarifado da companhia onde prestava serviço e à esposa, Leonor. Na primeira, despedia-se do "pai e [de] todos da família de além-mar". Tinha 53 anos, quando foi enterrado a 19 de Junho de 1947 (16). José Lopes sobreviver-lhe-ia 15.

Notas:

[1] José Lopes da Silva (São Nicolau, 1872 – São Vicente, 1962). Entre outras actividades profissionais que desenvolveu, foi professor primário na ilha da Boavista e depois no Mindelo, de Latim, Português, Francês e Inglês no Liceu Infante D. Henrique, antecessor do Liceu Gil Eanes.
[2] Um outro discurso, feito durante o banquete de homenagem ao embaixador, este pelo Dr. João Gomes da Fonseca, teve publicação em São Vicente (ed. Sociedade de Tipografia e Publicidade), também em 1933. Existe, na Biblioteca Nacional de Lisboa.
[3] O cardinal é de difícil leitura, talvez 21 ou 24.
[4] O senador Augusto Vera-Cruz representou os interesses de Cabo Verde no parlamento lisboeta desde 1912 a 1926, quando a ditadura substituiu a I República em Portugal.
[5] P. 2.
[6] Supomos que se tratará da 2.ª edição da obra que teve 1.ª em 1929, pela mesma editora lisboeta.
[7] Por exemplo, o famoso poema "Ao Brasil", escrito anos antes, em 1919.
[8] P. 2.
[9] A ilha situa-se no delta do rio Parnaíba, no estado do Maranhão.
[10] 30.01.1938, p. 7.
[11] Poeta inglês do século XVII.
[12] 09.02.1938, p. 4. Getúlio Vargas (1882-1954) foi Presidente da República do Brasil de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954, tendo terminado o seu segundo mandato por suicídio do político.
[13] P. 2.
[14] Ed. J. Rodrigues e Ca., Lisboa, 1940. Existe na Biblioteca Nacional de Lisboa.
[15] Posteriormente à saída deste artigo no Terra Nova verificámos que Francisco Lopes da Silva publicou pelo menos outro livro, "Recordações", Rio de Janeiro, Brasil, 1940, e um pequeno opúsculo, "José Luís de Melo", Rio de Janeiro, Brasil, 1939. A indicação foi-nos dada verbalmente por João Manuel Nobre de Oliveira e depois confirmada no seu monumental livro "A Imprensa Cabo-Verdiana, 1820-1975", ed. Fundação Macau, Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, Macau, 1998. Outro livro seu, de igual interesse, sobre a genealogia das famílias cabo-verdianas, aguarda sponsor/financiamento para publicação.
[16] Ver várias referências na imprensa brasileira desta data e de datas subsequentes próximas.

terça-feira, 13 de maio de 2014

[0877] Navegador solitário português Ricardo Dinis chegou hoje ao Mindelo - NÃO DEIXE DE VER E COMENTAR O POST ANTERIOR SOBRE O COMANDANTE GUILHERME CONCEIÇÃO E SILVA

"O ambiente é fantástico, com muita informalidade. A recepção foi calorosa e espectacular. Nunca estive em Cabo Verde, mas é um arquipélago que está no imaginário de qualquer velejador", disse o Ricardo Dinis. 
"Já sabíamos, já sabíamos!"... diz o Pd'B.

Ver AQUI


Não há ninguém na ilha que queira dar o seu testemunho sobre a chegada deste navegador ao Porto Grande? Textos, fotos, etc.?

[0876] Um grande amigo de Cabo Verde e de São Vicente

Ainda como 2.º tenente
Na altura, demos aqui notícia do falecimento do comandante da Armada Guilherme George Conceição e Silva (23.Janeiro.1930 - 5.Abril.2014) que conhecemos por via do interesse mútuo pela história de Cabo Verde (que ele investigava a fundo nos arquivos navais portugueses) e amor comum pelo país e suas gentes e com o qual estabelecemos forte mas infelizmente fugaz amizade - cortada pelo seu inesperado fim de vida. A bordo das "Sagres" II e III (a actual), o comandante escalou inúmeras vezes portos de Cabo Verde, nomeadamente o Grande, de São Vicente. Aí conheceu e conviveu com Cesária Évora (música das ilhas fez-se ouvir no Cemitério Inglês de Lisboa, através da viola de um neto, no dia do seu funeral), com gente graúda e também com a de pé-descalço de quem tinha excelentes recordações de que nos deu conta nas vezes em que estivemos juntos e onde sempre quase só se falou de Cabo Verde.

Mastro e cabos da actual "Sagres" - Foto Joaquim Saial
O seu filho Filipe, comandante da aviação comercial, fez-nos chegar há semanas este texto que atesta à saciedade o que acima dissemos e que mostra pela milionésima vez como a semente cabo-verdiana floresce no coração daqueles que a provaram.

Na noite do dia de independência de Cabo Verde, em Julho de 1975, estava ele em casa, na Rua da Quintinha, perto de São Bento (Lisboa), com amigos a comemorar o evento histórico e falar nostalgicamente das vivências de quase duas décadas antes. Das pândegas em que se envolvia, incluindo as bandas de música de S. Vicente e em que ele por vezes actuava como "cantor"  - de nome artístico  “Guigui”... (penso que foi a Cesária que o baptizou com este nome). Ao estar a relatar aos amigos as suas actuações (se é que se podiam chamar assim), ouviram uns indivíduos a fazer barulho na rua, que reconheceram ser cabo-verdianos a comemorar a independência. Da janela, chamou-os e pediu para eles irem à porta.  Ele e os amigos  desceram as escadas e o meu pai entregou ao primeiro do grupo uma garrafa de espumante dando-lhes os parabéns pelo seu país... o individuo recebeu a garrafa, hesitou, olhou para o meu pai uns momentos... e diz: “- Tu és o Guigui!” - era um dos músicos das tais bandas que se lembrava dele de quase vinte anos antes – a sua companhia ou as suas actuações, alguma  impressão causaram.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

[0875] A passagem do "Empress of Britain" pelo Porto Grande, em 21 de Fevereiro de 1962 - POST ACTUALIZADO

Companhia armadora
Canadiano, mas feito na Escócia, foi "Empress of Britain" mas também "Queen Anna", "Maria", "Carnivale", "Fiesta Marina", "Olympic" e "Topaz". Construído em 1955, a sua carreira teve início em 1956 e terminou em 2008.

Antes deste que escalou São Vicente, houve outros com o mesmo nome e pelo menos um com história trágica - Ver AQUI (1906), AQUI (1931) e AQUI (1956, o do envelope).

Dôstom, custou o selo do souvenir da passagem do paquete pelo Porto Grande. Inaugurado em Julho do ano anterior, o cais acostável já estava funcional. Se o "Empress of Britain" ali atracou, isso não o sabemos. Veja-se AQUI o seu interior, enquanto "Topaz".

E, para terminar, a sigla em baixo à esquerda, quer dizer Clube Filatélico de Portugal. A ele se deve, afinal, estarmos hoje aqui a falar do "Empress" e do Porto Grande...

Já agora, só por curiosidade, neste mesmo dia em que o paquete chegou à baía do Mindelo, o astronauta John Glenn voltava da viagem que o tornou no primeiro americano a entrar em órbita da terra, na nave Friendship 7 STS-95 e que começara no dia anterior.


Folheto de apresentação (exterior)
Folheto de apresentação (interior)
Souvenior do navio
Selo de bagagem