sexta-feira, 22 de maio de 2015

[1523] Corvos da Brava

Novamente, um excerto de "Cartas de Cabo Verde", 1.ª edição de 1946, da autoria do Eng.º português Luíz de Saldanha Oliveira e Souza

Ilha Brava…

(…) Fazem assim a sementeira: um homem dá, com enxada, duas ou três cavadelas e abre uma pequena cova, que ficará com um palmo de profundidade; e vai abrindo outras a eito, sem qualquer alinhamento ou ordem. É seguido por mulher, que em cada uma dessas covas deita quatro grãos de milho e dois de feijão, sendo as covas tapadas por ela mesma, com o pé! A isto se resume todo o trabalho dos que semeiam.

Mas, semeado o milho, começa a vigilância apertada contra os dois inimigos que o querem arrebatar e são os corvos e as galinhas do mato, a que nós chamamos pintadas.

Dada a disposição do terreno, com vales profundos e separados por estreitas colinas, colocam-se rapazes, mulheres e raparigas nestes altos pontos estratégicos, armados de fundas, feitas de fibra de carrapato, que é a piteira a que, salvo erro, chamam agave; e daí vigiam vastas zonas. Vivem temporariamente, para isso, em pequenas cabanas feitas de folhas de carrapato, a que dão o nome de funco, sem dali saírem, pois que lhes levam lá a comida.

Quando os corvos se aproximam, os que os avistam dão gritos e berros, anunciando assim aos outros vigias a aproximação do inimigo. Gritam: "Ó nhô preto! (Ó senhor preto), Ó ladrão!", insultando as aves, e ao mesmo tempo disparam pedras com a funda, ou com esta dão estalos, como se faz com o chicote. Por vezes, é formidável a gritaria que vai alastrando à medida que os corvos se deslocam. (…)

4 comentários:

  1. O texto fez-me viajar à bela ilha de Santo Antão em tempo de sementeira.
    Outrora sucedia a mesma coisa em S.Vicente mas, depois da independência, os corvos e os "passarom" desapareceram.
    As rapinas agora são de outro tipo
    Braças e mantenhas

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  2. Na minha adolescência fiz esse trabalho numa sementeira num sítio conhecido por Barro Branco em São Vicente. Além de fudas, uzava-se tambem espantalho que consistia numa figura que se podia comfundir a uma pessoa e que era colocado num ponto estratégico. So que no final e devido a seca não se conseguiu colher nada, pois nem chegaram a nascer, ou os que nasceram se deram palha ficaram por lá, e só visitei aquele local 30 e tal anos depois tal foi o meu desgosto.

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  3. Belíssimo postal, meu caro...Esta pequena mas significativa história, demonstra bem a importancia que para as gentes da terra tinha - e continua a ter - a defesa da lavra onde se semeava o sustento do ano seguinte, na luta permanente do povo sedento contra a dureza de condições naturais adversas...Sina d flagelados...
    Braça germinado
    Zito

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    1. Uma primeira edição de "Flagelados do Vento Leste" será a próxima aquisição (depois das duas de Manuel Lopes já publicitadas). Mas por agora há que parar uns tempos que a ordem não é rica e o frade é pobre.

      Braça com ventania por todo o lado,
      Djack

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