sábado, 12 de dezembro de 2015

[1752] Mais uma história de mar de Luís Filipe Morazzo

Ocorrência 10 - O "Meerkerk"

(ver nove anteriores ocorrências, em posts já lançados do Praia de Bote; clique na etiqueta Ocorrência, mesmo no final deste post)

Luís Filipe Morazzo
Depois de termos abordado as operações desencadeadas pelos submarinos U-124 e U-105 contra o comboio SL-67, falta-nos observar as últimas acções desenvolvidas contra este comboio, aquelas que foram praticadas pelo U-106. Este submarino que na altura do ataque, no dia 8 de Março de 1941, era comandado por outro dos grandes ases da Krigsmarine, o famoso capitão de corveta Jürgen Oesten. 

Oesten, que foi um dos 30 mais bem-sucedidos comandantes de submarinos de toda a guerra, juntou-se ao Reichsmarine em Abril de 1933. Fez a sua aprendizagem inicial, a bordo dos históricos cruzadores Admiral Graf Spee e Karlsruhe, onde passou mais de um ano. Em Maio de 1937, transferiu-se para a arma submarina recebendo um treino completo de pré-guerra. Em Outubro de 1937, obteve o seu primeiro cargo a bordo de um submarino, o U-20, como oficial de vigia.

Assumiu o primeiro comando a bordo do U-61, entre 12 de Agosto de 1939 e 28 de Julho de 1940, efectuando 9 patrulhas em 147 dias. De seguida vamos vê-lo a comandar o U-106, entre 24 de Setembro de 1940 e 19 de Outubro de 1941, onde efectuou três patrulhas num intervalo de 182 dias. Durante este período foi promovido a comandante da 9.ª flotilha que estava baseada em Brest. Teve o seu último comando a bordo do U-861, entre 2 de Setembro de 1943 e 9 de Maio de 1945, efectuando duas patrulhas em 252 dias.

Foi exactamente nesta última etapa que este famoso marinheiro chegou ao topo da fama e da glória. Tudo começou quando largou de Kiel, em 20 de Abril de 1944, com rumo traçado ao Extremo Oriente, onde uma difícil missão o esperava: trazer para a Alemanha um dos maiores carregamentos de borracha, matéria-prima vital, para o esforço de guerra que a Alemanha nazi desenvolvia nas várias frentes onde estava envolvida.

O U-861 deixou Surabaia, Indonésia em 15 de Janeiro de 1945, com cerca de 250 toneladas de borracha a bordo e apenas dois torpedos para sua autodefesa. Na viagem de regresso o U-861 abalroou um iceberg ao sul da Groenlândia, mas Oesten, contando com a sorte, mas acima de tudo com a sua mestria de marinheiro exímio, atingiu Trondheim, na Noruega, em 19 de Abril de 1945, com apenas cinco barris de combustível que subsistiam nos tanques, após uma viagem turbulenta de cinco meses, através de mares tempestuosos e infestados de navios inimigos No final da guerra tinha no seu curriculum, 19 navios inimigos afundados, que perfaziam (101.800 toneladas brutas), mais quatro gravemente avariados (50.000 toneladas brutas), obrigando estes a longos períodos de inactividade. Neste grupo estava incluído o cruzador Malaya (31.100 toneladas), um dos principais navios da escolta deste comboio e o grande cargueiro holandês Meerkerk, propriedade do conhecido armador Holland America Line. Este, que apresentava um deslocamento bruto de 8000 toneladas e fora construído na Alemanha em 1916, transportava nos seus porões um valioso e pesado carregamento de madeiras exóticas provenientes das florestas Indonésias. Foi exactamente este tipo de carga que impediu que o Meerkerk se tivesse afundado, após ter sido torpedeado pelo U-861. Embora com alguns dos porões inundados, conseguiu regressar ao porto de partida, Freetown, mesmo passando por algumas dificuldades. 

O Meerkerk
Contudo este navio estava condenado a não sobreviver aos efeitos da guerra. Em 16 de Junho de 1946, o Meerkerk estava fundeado ao largo de Steenbanken, na costa norte da Holanda, à espera de piloto, quando devido a forte temporal garrou para uma zona ainda não desminada. Uma mina explodiu ao embater na popa do navio. Muitos dos passageiros em pânico, saltaram para o mar, tendo 12 perdido a vida. 

De acordo com sua família, Jürgen Oesten morreu pacificamente em 5 de Agosto de 2010, com 97 anos, levando ao peito as maiores condecorações militares da época, a cruz de guerra de 1.ª e 2.ª classe e a famosíssima cruz de ferro. A seu pedido, foi sepultado no mar após um serviço em uma capela em Hamburg-Ohlsdorf. Longa vida para quem tanto arriscou.

2 comentários:

  1. É uma delícia ler isto para quem aprecia as coisas do mar, como recorrentemente tenho dito. Registe-se o dado curioso de o velho marinheiro ter sido sepultado no mar, conforme seu desejo.

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  2. Como sempre, muito interessante. Continuo seguindo cada odisseia destes barcos e dos respectivos pessoais.
    Sem ter sido maritimo, revivo factos.
    Obrigado

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