domingo, 24 de julho de 2016

[2317] Texto de Maria Beatriz Lima Barreiro inspirado num poema de Adriano Miranda Lima (ver post 2315)

A MAGIA DA PRAÇA NOVA
Ver AQUI outro texto da autora no Pd'B

Há momentos em que, sem querermos, quase ao acaso, apercebemo-nos de que a retrospectiva das coisas que nos aconteceram ganha um valor diferente. Um sabor até especial, de recordação sentida. Através de uma maneira mais actualizada de olhar para a realidade que vivemos no passado.

Encontrei nos escritos do meu avô Adriano Lima um poema que tem o título Noite de Luar na Praça Nova. Ah, é a praça que conheci em 2012 quando pela primeira vez visitei a cidade do Mindelo. Então, deu-me para ler esse poema, que não tinha ainda lido. Foi como se quisesse encontrar nas memórias pessoais que nele se celebram alguma correspondência com as minhas próprias memórias da visita que fiz.

Já agora, digo que estive sentada nos bancos da Praça Nova mais de uma vez, principalmente quando íamos ao hotel em que ficou hospedada a minha tia Ana e que ficava mesmo ao lado. Lembro-me de que a praça era muito frequentada à noite e havia muito movimento de pessoas a andar para cima e para baixo. As crianças brincavam, umas andando em pequenas bicicletas, outras em “scooters” e “skates”, outras correndo e fazendo as normais tropelias infantis. Achei aquilo tudo muito semelhante às rotinas das praças em Portugal das cidades médias da província. Por sinal, o tempo atmosférico era nessas noites muito agradável, apetecível para se estar ao ar livre e deixar correr o tempo. Ou não estivéssemos em Julho…

É desta maneira, tentando recompor a memória fotográfica que guardei da Praça Nova, que a tento ver agora sob o olhar do autor do poema. Mas leio o poema e surgem perguntas inevitáveis: - avô, quem era o B. Leza, esse de quem dizes: “E em vão procurar B. Leza entre os rapazes da serenata e só conseguir ouvir a plangência do seu violino no lento suspiro da noite e na terna placidez das raparigas girando em redor da praça”. Pergunta feita e fico a conhecer o músico, que pertence às memórias do autor. Percebi o sentido da metáfora. Os músicos estão em toda a parte e a toda a hora na cidade do Mindelo. 

Foto Nelson Fortes Lima
Mas de música só ouvi um dia a do coreto da Praça. Ela saiu “da clausura da pauta e foi pousar nas folhas das árvores, nas réstias de luar, no riso das moças, nos vestidos das damas, e depois!... foi senti-la a evadir-se, dengosa e insinuante, pelas ruas de Mindelo.”

Agora sinto que foi pena não conhecer este poema à data da minha visita. Mas eu tinha então só doze anos… Os actuais dezassete, feitos há uma semana, fazem a diferença, o que é natural. 

Mas as perguntas continuam: avô, não vi esse cinema Eden Park de que falas quando escreves: … “Ei-la afinal presente e ausente na sedução do olhar, na volúpia dos lábios, no langor do sorriso, da Marlene Dietrich, além no cartaz do Eden Park!...”. Com a resposta à pergunta, fiquei a saber que esse cinema terminou há muito os seus dias. Que pena! Numa época em que não havia televisão, internet e os outros aparelhos que nos fazem as delícias actualmente, entendo o sentimento que o autor deixa transparecer no poema.

O Eden Park já tinha sido, já era só memória, mas… ahhh, as vendedeiras de mancarra (amendoim) essas lá estavam e comprei uma mancheia do produto: … “Deixar soltar a voz ridente da vendedeira de mancarra e ouvi-la cantarolar sodade di nha cretcheu até cair a penugem da noite na cálida nudez dos seus enfeites”. E eu que achei essa mancarra com um paladar diferente, mais saborosa, como se tivesse sido acabada de torrar...

Na minha jovem idade, quatro anos fazem uma enorme diferença. Aquilo que vivi em 2012 foi mais à flor da pele da menina de doze anos, diferente do que permite a minha idade actual, e ainda mais depois de ter estudado bem as disciplinas de português e filosofia. Mas o poema de Adriano Lima, que li agora, veio avivar-me o sentimento e mostrar-me uma Praça Nova iluminada não por uma noite de luar mas por luzes que pertencem à alma.

Enfim, a nostalgia do avô é agora minha: “Ó doce e inefável fixação do olhar feiticeiro que alumia a noite na Praça Nova!”


Quarteira, 23 de Julho de 2016
Maria Beatriz Lima Barreiro

1 comentário:


  1. Homenagem singela de uma jovem que visita as suas origens aos 12 anos e, como a maior parte dos estrangeiros que por ali passaram, ficou deslumbrante.
    A Beatriz sentiu o que é difícil explicar. Não sei porque amamos esse chão tão diferente da terra longe.
    Parabéns, menina. Os teus ancestrais, nomeadamente o teu avô Adriano, deve se sentir orgulhoso de saber assegurada a descendência literária.
    Força !!!

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