quarta-feira, 28 de setembro de 2016

[2531] Coincidências e mais coincidências

Já se sabia que eu e o Adriano tínhamos tido o mesmo explicador, Ti Fefa, o sábio Alfredo da Silva Brito que a par do seu emprego no Sindicato dos Marítimos e ali mesmo dava explicações até à 4.ª classe e preparava miúdos para a admissão ao Liceu e Escola Técnica. Comemos dadas por ele umas belas varadas com raminhos vindos da Boa Vista, sua terra natal, quando fazíamos patifarias, mas ambos ficámos a estimar aquele homem afinal bondoso e de vastos conhecimentos, sempre vestido de castanho, chapéuzinho de fita gordurosa pelo muito uso e a ele ficámos a dever parte substancial do nosso saber.

Entretanto, escrevi um livro que à pág. 103 rezava o seguinte:

A 4.ª classe começou mal. Primeiro, não tive lugar na Escola Camões. Dizia-se que era a que tinha melhores requisitos e corpo docente e, na realidade, frequentava-a muita da rapaziada de nome sonante do Mindelo. A minha mãe ainda tentou meter cunha junto de uma das professoras, mas de nada lhe valeu, porque as salas estavam repletas e nenhuma queria mais um aluno cujo passado escolar lhe era desconhecido. Assim, fui parar à escolinha da Rua do Coco, sala única num primeiro andar, para o qual se subia por escadaria de cimento a céu descoberto. Naturalmente, no início, a garotada estranhou-me; mas em breve estabelecemos boas relações, à custa de ofertas de desenhos de cowboys, de índios e de guardas-republicanos a cavalo, com os seus capacetes emplumados, aqueles de que mais gostava e melhor sabia fazer. Depois, foi a paragem forçada, por via da operação e posterior falecimento da filha da nossa professora. Todos nós sentimos a perda, tanto mais que conhecíamos a menina razoavelmente, por a mãe a levar uma vez por outra consigo. O assunto tocou-me, sobretudo porque era apenas a terceira pessoa minha conhecida que via morrer, depois do meu avô e de um padeiro suicida de amor, na Cova da Piedade. A professora, como seria de esperar, consumida pelo desgosto, não se sentiu com coragem para prosseguir com a turma que orientava desde a 1.ª classe e os miúdos foram distribuídos por outros estabelecimentos de ensino. Nem assim, porém, consegui entrar na Escola Camões.

Acontece que o nosso amigo Zito num comentário falou de Ângelo Lima e logo a seguir fui desenterrar do arquivo um cartão dele e da esposa, Maria Fernanda, que coloquei no Pd'B. Vai daí, o Adriano referiu que a senhora tinha sido sua professora. Fez-se então luz e percebi que ambos tínhamos tido a mesma docente, ele na terceira e quarta classes, eu apenas nesta última embora apenas por um período, mais coisa, menos coisa (devido ao triste acontecimento familiar), mas lembro-me bem dela, na escolinha no topo da Rua de Coco, primeiro andar de uma só sala e pequeno terraço, para onde se subia por íngreme escada de cimento. E ainda conservo desenhos feitos ali que poderei vir a mostrar, quando calhar.

Ora ao contrário do que disse no post onde apresentei este cartão pela primeira vez (ali atrás), é muito possível que ele seja do Natal de 1962, quando eu frequentava a 4.ª classe.

Eis pois, como o mundo é pequeno. Com cerca de uma década de diferença, tivemos a mesma professora e o mesmo explicador. E várias décadas a seguir tornámo-nos amigos, sem sabermos disto tudo que a pouco e pouco temos vindo a descobrir. Honra portanto a Ti Fefa e à D. Fernanda e, já agora, a nós ambos os dois, eu e ele, Djack e Adri... Hip, Hip, Hurray!!!

Remato com agradecimentos ao Zito que confirmou que se tratava da mesma D. Fernanda, moradora para as bandas da Praça Nova e que até há poucos anos sei que ainda vivia.

1 comentário:

  1. É verdade, amigo meu bom Djack, afinal o mundo é pequeno e dá muitas voltas.
    Com o ti Fefa consolidei, e de que maneira, as matérias da 4ª classe, na preparação para a admissão aos liceus, sob a sua batuta, com ou sem varinha de “mantamba”. Tão benéfica foi a acção do Ti Fefa que não tive problemas com a transição para o liceu, tendo até sido dispensado da oral no exame do 2º ano (passe a “bazofaria”, ahahah).
    Anos depois da minha saída, ele perguntava por mim à minha mãe: “então, como estão aqueles rapazes?” (incluía também o meu irmão, que também já tinha deixado a terra). E acrescentava sempre: “Bons rapazes, bons rapazes…” (Passe mais uma vez a bazofaria). É claro que com a idade é que vamos aprendendo as coisas da vida e aperfeiçoando o nosso padrão de atitudes e comportamentos. Com isto quero dizer que me arrependo de nunca ter escrito uma cartinha ao Ti Fefa a agradecer o que contribuiu para a minha educação e formação escolar. Apenas em 2006 escrevi um texto de homenagem, evocando a sua memória. Mas ele já tinja há muito desaparecido. O texto pode ser reeditado no blogue, se o Djack achar bem.
    Folgo saber que o Djack teve também a Maria Fernanda como professora. Infelizmente, ela morreu há uns 5 anos, creio que vítima de um cancro de mama, do qual havia sido operada em Portugal, quando, em finais de 2003, fui visitá-la à sua casa na Praça Nova. O marido, Ângelo Lima, não estava presente. Ela olhou para mim e disse: Adriano, como é que não posso estar já velha? Claro que, frente ao homem de 60 anos, tinha dificuldade em reconhecer o rapazinho de 9 anos. Ela era uma jovem de pouco mais de 20 anos quando foi minha professora.
    Djack, acompanho-te num copo em memória destes nossos saudosos professores: Hip, Hip, Hurray!!!

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